JOANESBURGO, ÁFRICA DO SUL (FOLHAPRESS) – Principal via que corta o distrito de Soweto, em Joanesburgo, a Chris Hani Road lembra ruas de São Paulo na sucessão de semáforos apagados devido ao furto de cabos elétricos. Ao contrário do que ocorre na capital paulista, no entanto, eles há tempos não são mais repostos, gerando caos nos horários de pico.
Alguns estão inoperantes há mais de um ano e se tornaram símbolo do fracasso do Estado em prover serviços básicos. Lar de 1,7 milhão de pessoas, Soweto tem uma história que reflete as diversas fases da África do Sul das últimas décadas.
Durante o regime do apartheid, que durou até 1994, era não mais do que um reservatório de mão de obra negra para indústrias e bairros mais afluentes. Uma enorme e simbólica favela, conhecida mundialmente, de precária infraestrutura.
Com a chegada da democracia racial, o Congresso Nacional Africano (CNA), partido que assumiu o governo e se mantém nele até hoje, fez questão de transformar o vasto distrito em um showroom da nova África do Sul. Ruas foram pavimentadas, quadras, urbanizadas, e casas, construídas. Soweto passou a ter um shopping center e bolsões de classe média.
Nos últimos anos, no entanto, a região a 20 km do centro de Joanesburgo acompanhou a decadência do país como um todo. O desemprego disparou, passando de 30%, e a visão de pessoas perambulando pelas ruas ou sentadas em calçadas sem fazer nada se tornou frequente. Os índices de criminalidade se multiplicaram, enquanto blecautes e falta dágua viraram rotina. O shopping ainda resiste, mas esvaziado.
Quem corre risco de sofrer eleitoralmente é o CNA, que nesta quarta (29) tenta evitar uma derrota histórica nas urnas. Antigo reduto do partido, Soweto pode contribuir para que a legenda perca pela primeira vez a maioria desde o fim do apartheid, sendo obrigada a governar em coalizão.
Mesmo que a oposição não empolgue os sowetanos, há para o CNA o risco adicional da abstenção de eleitores que sempre foram fiéis, num país onde o voto não é obrigatório.
Desempregada e mãe de oito filhos, Thato Masonto, 32, decidiu pela primeira vez não votar. “Qual o sentido, se não muda nada? Não faz diferença.”
Em eleições passadas, ela cravou CNA, mas perdeu a esperança. “Há muito crime, buracos nas ruas, e, mais importante, falta de água e energia. Emprego é muito difícil”, diz ela, que vive de bicos como lavadeira. “Há muito crime, muito. Você não consegue sair de casa depois das 18h.”
A aposentada Hazel Shihlabane, 62, é outra que se frustrou. Com o filho desempregado, vende roupas de cama de porta em porta para ajudar no sustento de dois netos. Ela diz lembrar com nostalgia da era de Nelson Mandela, primeiro presidente após o fim do apartheid, que morreu em 2013.
“Eu sinto muito a falta de Mandela. Meu coração está partido. Onde ele estiver dormindo, eu tenho certeza que ele está bravo com o que está acontecendo”, diz ela, que votará em algum partido da oposição, mas não quis revelar qual.
Também aposentado, Mpee Kunene, que é negro, decidiu radicalizar no voto de protesto. Diz que escolherá entre duas organizações que chama de brancas, a Aliança Democrática ou a Frente da Liberdade. Ambos os partidos, embora apoiados também por negros, são liderados por políticos da minoria descendente dos colonizadores europeus. “As organizações negras são todas corruptas, todas elas”, afirma.
O CNA tem, de forma um tanto acanhada, ensaiado um mea culpa por falhas de gestão e acusações de corrupção. Em seu manifesto eleitoral, o partido admite erros e diz que “alguns membros e líderes minaram instituições do Estado democrático e avançaram interesses pessoais egoístas”.
Para alguns em Soweto, o partido, embora tenha errado, merece reconhecimento por seu papel histórico na luta pela democracia.
“Eu cresci com o CNA. Minha família, desde a minha avó, sempre votou nele. Dar as costas agora seria como dar as costas a meus ancestrais”, diz Hapelo Mokoene, 32, que trabalha como guia turístico perto da casa onde Mandela viveu, hoje transformada em museu.
Outros estão dispostos a conceder mais um crédito de confiança ao presidente Cyril Ramaphosa, que seria refém de interesses escusos da máquina partidária.
“Tem muita coisa acontecendo com o partido, mas eles estão tentando consertar. Quando Ramaphosa sentou naquela cadeira, muitas coisas já estavam estragadas”, afirma Jules Pitso, 52.
FÁBIO ZANINI / Folhapress