Dez anos depois, obras prometidas para a Copa do Mundo seguem incompletas

BELO HORIZONTE, MG, PORTO ALEGRE, RS, CURITIBA, PR, SALVADOR, BA, RECIFE, PE, SÃO PAULO, SP, MANAUS, AM E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Dez anos depois do pontapé inicial da Copa do Mundo no Brasil, cidades-sede do evento têm ao menos 13 obras de mobilidade urbana que não foram entregues até hoje. Dessas, seis são promessas que nunca sairão do papel, pois os projetos foram abandonados após o torneio, sem contar aquelas que foram entregues parcialmente ou com modificações significativas na proposta original.

Com atraso, ao menos 16 obras foram entregues na última década —a última delas, a duplicação de uma avenida em Porto Alegre (RS), ocorreu só neste ano. Em comparação, mais de 30 obras relacionadas a mobilidade, aeroportos e portos foram entregues antes da Copa, mesmo que com poucos dias de antecedência.

O legado contrasta com a Matriz de Responsabilidades, documento com os compromissos de investimento assumidos pelo governo federal em razão do torneio.

Foram R$ 8,7 bilhões destinados a intervenções viárias no entorno de estádios e a mobilidade urbana —identificada como um dos maiores problemas enfrentados pelas populações das metrópoles brasileiras. Era a maior rubrica do programa, cerca de R$ 400 milhões a mais do que foi destinado a construção e reforma das arenas.

Em Cuiabá (MT), o sistema de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) que ligaria a capital mato-grossense à cidade vizinha de Várzea Grande é exemplar do investimento desperdiçado nas obras. Seis quilômetros de trilhos chegaram a ser instalados, assim como cabos elétricos e catenárias que ficaram sem uso, pois a obra nunca foi inaugurada.

O governador Mauro Mendes (União Brasil) dá o caso como encerrado desde 2020, quando o estado optou por abandonar o VLT e transformar o sistema em BRT (ônibus de alta velocidade). O governo defende que o corredor expresso de ônibus tem custo mais baixo de implantação, ficará pronto mais rapidamente e terá tarifa mais barata.

A obra descartada custou mais de R$ 1 bilhão. Os 40 conjunto de trens, que foram comprados na Polônia, estão sendo negociados com o governo da Bahia, que tem interesse nos equipamentos para implantar um VLT em Salvador.

Na capital baiana, por outro lado, o metrô completou 10 anos de operação e se consolidou como o principal legado na mobilidade da cidade. O sistema chegou a 38 km de extensão, com duas linhas, 22 estações e dez terminais integrados. Transporta, em média, 400 mil pessoas por dia.

Mas o cenário era bem diferente em junho de 2014, quando o primeiro trecho do metrô com 6,6 quilômetros foi inaugurado após 14 anos de obras e embates entre prefeitura e governo do estado. Na primeira viagem, passageiros chegaram até a até a beijar o chão do vagão.

Inicialmente previsto no caderno de encargos da Copa, a linha entre a estação Acesso Norte e o aeroporto de Salvador foi concluída apenas em abril de 2018.

A quase 1.500 quilômetros de distância, na zona sul de São Paulo, está outro símbolo de promessa para a Copa inacabada: a estrutura incompleta do monotrilho da linha 17-ouro. Uma série de dificuldades contribuiu para que o atraso fosse tão grande, como o rompimento de contrato por fornecedores, o envolvimento de construtoras no escândalo da Lava Jato e a pandemia de Covid-19.

Hoje o trilho suspenso da linha 17 está atravessados por árvores que cresceram acima de sua altura, ao longo da avenida Roberto Marinho. O aspecto é de abandono mas o governo estadual ressalta que as obras estão em andamento, principalmente nas áreas internas de estações e no pátio de trens, e a previsão é entregá-la em 2026.

Atrasos tão prolongados se explicam pela mudança drástica na política econômica brasileira antes e depois de 2014. O economista Ciro Biderman, diretor do FGV Cidades e chefe de gabinete da SPTrans à época da Copa, afirma que o segundo governo de Dilma Rousseff (PT) cortou investimentos em seus primeiros meses, em 2015.

“Para quem não conseguiu tirar a obra do papel até a Copa, o que aconteceu? O recurso sumiu”, diz Biderman. A austeridade continuou durante o governo Michel Temer (MDB), e logo depois veio o impacto da pandemia de Covid-19 nas contas públicas.

Foi o que ocorreu em uma obra em Natal (RN). O governo estadual afirmou que a reestruturação de uma das principais avenidas da capital potiguar não foi feita porque “o orçamento deixou de existir. A expectativa de recursos não foi viabilizada”. A construção de um corredor de ônibus foi abandonada, e outras duas obras viárias foram concluídas com atraso pela prefeitura e pelo governo estadual.

Além da falta de capacidade de investimento no setor público, segundo Biderman, antes disso houve falta de planejamento. Isso fez com que os governos locais mirassem em projetos audaciosos, caros e desnecessários, que não seriam financeiramente sustentáveis a longo prazo.

Isso explica a mudança de escopo dos projetos. Linhas de VLT foram canceladas para dar lugar a BRTs. E estes, por sua vez, acabaram transformados em meras faixas exclusivas de ônibus.

PORTO ALEGRE TEVE OBRA DA COPA ENTREGUE DIAS ANTES DA ENCHENTE

Em Porto Alegre, a duplicação da avenida Tronco foi concluída em abril deste ano, poucos dias antes da capital gaúcha ser atingida pela enchente do lago Guaíba. A obra se somou a outras que foram entregues com atraso.

Três projetos não foram para frente. Entre eles, a duplicação do trecho 2 da avenida Voluntários da Pátria, assim como um terminal rodoviário ao lado da estação de metrô São Pedro. O primeiro trecho foi concluído em 2021.

OBRAS INCOMPLETAS DA COPA DO MUNDO, 10 ANOS DEPOIS

Linha 17-ouro do Monotrilho (SP)

VLT Cuiabá-Várzes Grande (MT)

VLT de Brasília (DF)

Corredor Metropolitano de Curitiba (PR)

Terminal rodoviário São Pedro, em Porto Alegre (RS)

Duplicação do trecho da av. Voluntários da Pátria, em Porto Alegre (RS)

Modernização do Porto de Manaus (AM)

A atual gestão do prefeito Sebastião Melo (MDB) tem intenção de retomar esses dois projetos e está em busca de recursos.

Já a tentativa de implantação do BRT deixou um legado parcial. Os corredores de três avenidas saíram do papel, mas apenas como faixas exclusivas para ônibus regulares.

MANAUS E BRASÍLIA TIVERAM OBRAS QUE NUNCA SAÍRAM DO PAPEL

O monotrilho Norte-Centro, em Manaus (AM), nunca chegou a sair do papel.

O governo do Amazonas entendeu existir “impossibilidade técnica, financeira e jurídica” para a execução do projeto, segundo nota da atual gestão, de Wilson Lima (União Brasil), cujo primeiro governo teve início em 2019.

OBRAS ABANDONADAS DA COPA DO MUNDO, 10 ANOS DEPOIS

Monotrilho Norte-Centro de Manaus (AM)

Terminal rodoviário da av. Manoel Elias, em Porto Alegre (RS)

Centrais de BRT de Porto Alegre (RS)

Viaduto na avenida Plínio Brasil Milano, em Porto Alegre (RS)

Reestruturação da av. Engenheiro Roberto Freire, em Natal (RN)

Corredor Zona Norte/Arena das Dunas, em Natal (RN)

A modernização do porto de Manaus, adiada para depois da Copa, está inscrita no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo Lula (PT), e o projeto está em andamento, diz a nota.

Em Brasília, uma das principais promessas para o período, o VLT não saiu do papel até hoje. A obra foi totalmente embargada em 2011, quando a Justiça anulou o contrato de execução do projeto após as suspeitas de irregularidades.

CURITIBA E FORTALEZA SIMPLIFICARAM PROJETOS

Em Curitiba (PR), a prefeitura diz que a maioria das obras contratadas para a Copa foi concluída antes da competição. Entre as exceções está a ampliação do Terminal Santa Cândida, finalizada apenas em 2019.

A implantação de um BRT entre o aeroporto e a rodoferroviária, se tornou inviável, de acordo com a prefeitura. O projeto acabou adaptado para uma versão mais simples e foi batizado de “corredor expresso”, concluído antes dos jogos.

A prefeitura de Fortaleza (CE) também substituiu as obras de BRT por modificações viárias mais simples. Segundo a gestão municipal, a longo prazo o BRT “não se mostrou eficaz e, por isso, foi retirada do escopo das obras municipais”.

BH E RECIFE TIVERAM ATRASOS SUPERIORES A 5 ANOS

Em Belo Horizonte, as obras da Via 710, que liga as regiões Leste e Nordeste ao longo de quase cinco quilômetros, foram finalizadas em fevereiro de 2023, com sete anos de atraso. A obra foi iniciada em 2014.

Em nota, a prefeitura justificou a demora pela complexidade das obras e pela obrigação de respeitar os trâmites legais das desapropriações, que custaram R$ 160 milhões. Outros R$ 120 milhões foram gastos nas obras da via.

No Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, apenas parte das obras ficou pronta para a Copa. Depois, a administração foi concedida à iniciativa privada em agosto de 2014.

Em Recife, três obras de mobilidade —Corredor Caxangá, BRT Leste/Oeste e BRT Norte/Sul— foram entregues parcialmente. Já o terminal Cosme e Damião, que integra metrô e linhas de ônibus, foi entregue e atende apenas mil pessoas por mês.

ARTUR BÚRIGO, CARLOS VILLELA, CATARINA SCORTECCI, JOÃO PEDRO PITOMBO, JOSÉ MATHEUS SANTOS, TULIO KRUS, VINICIUS SASSINE E YURI EIRAS / Folhapress

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