BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), citou o caso do deputado Rubens Paiva, retratado no filme “Ainda Estou Aqui”, e defendeu que a Lei da Anistia, promulgada na ditadura militar, não se estenda aos crimes de ocultação de cadáver.
Dino diz que esse crime é permanente, porque “quem oculta e mantém oculto algo prolonga a ação até que o fato se torne conhecido”.
“O crime está se consumando inclusive na presente data, logo não é possível aplicar a Lei de Anistia para esses fatos posteriores”, afirma.
A posição do ministro foi manifestada em uma decisão publicada neste domingo. Dino é o relator de um recurso do MPF (Ministério Público Federal) contra acórdão do Tribunal Regional da 1ª Região que permitiu que militares acusados de ocultar cadáveres durante a ditadura militar sejam beneficiados pela Lei da Anistia.
A decisão de Dino, porém, foi de definir que o caso deve ter repercussão geral -instrumento pelo qual o Supremo fixa um entendimento amplo sobre o assunto.
O caso será analisado pelo plenário virtual do STF.
“A manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”, escreveu o ministro.
Ele citou o filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles e protagonizado por Fernanda Torres e Selton Mello, que conta a história do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, sequestrado pela ditadura.
“A história do desaparecimento de Rubens Paiva, cujo corpo jamais foi encontrado e sepultado, sublinha a dor imprescritível de milhares de pais, mães, irmãos, filhos, sobrinhos, netos, que nunca tiveram atendidos os seus direitos quanto aos familiares desaparecidos.”
Se o entendimento do ministro for majoritário no Supremo, irá se configurar uma mudança na postura adotada pelo Judiciário sobre o alcance da Lei da Anistia.
A discussão começou em 2015. O Ministério Público Federal apresentou uma denúncia à Justiça do Pará contra os tenentes-coronéis do Exército Lício Augusto Ribeiro Maciel e Sebastião Curió Rodrigues de Moura.
Eles são acusados pelos crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver cometidos durante a Guerrilha do Araguaia.
Em 1973 e 1974, Curió teve participação direta na perseguição, execução e tortura de guerrilheiros do PC do B que agiam entre o norte de Tocantins e o sudeste do Pará.
Depois, foi enviado a Serra Pelada para atuar durante a febre do ouro. Tornou-se popular entre os garimpeiros, a ponto de se eleger deputado federal e prefeito de Curionópolis, cidade batizada em sua homenagem, e de liderar uma revolta contra o governo.
Morreu em 2022, aos 87 anos. Dois anos antes, foi recebido pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) no Palácio do Planalto. Na época, a Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência) publicou texto em que classificou como “heróis do Brasil” os agentes públicos que atuaram contra a Guerrilha do Araguaia no anos 1970.
A denúncia do MPF não prosperou na primeira instância, pelo entendimento de que os atos praticados estariam abarcados pela Lei da Anistia.
O caso foi levado ao Tribunal Regional Eleitoral da 1ª Região. Em 2020, porém, o recurso do Ministério Público foi rejeitado com os mesmos argumentos da instância inferior.
O MPF levou o caso para o Supremo neste ano. A expectativa é que o caso seja levado a sessão virtual do plenário antes do recesso, para discussão dos ministros.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress