BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta quinta-feira (12) que o Judiciário não é um poder político e que nenhum julgamento ocorre sem participação popular. Ele afirmou ainda que as críticas de ativismo judicial é de quem foi contrariado por decisões da Corte.
A declaração cita diretamente emendas parlamentares, que geraram crise após decisões do magistrado para aumentar a transparência e a rastreabilidade do envio dos recursos. A solução encontrada pelo governo, de editar uma portaria e emitir um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União), gerou mal-estar entre aliados de Lula (PT) e Dino, como mostrou a Folha.
“O Judiciário não é um Poder político, eleito, mas valoriza profundamente o poder popular, soberania popular, e a participação social. Por isso, promove sempre audiências públicas, sessões técnicas, há figura que todos conhecem das entidades que participam do julgamentos”, disse.
“E nenhum julgamento relevante para o Brasil é feito no Supremo sem diálogo com a sociedade. Seja emendas, orçamento, bets, regulação de internet, meio ambiente”, completou.
Dino discursou no Conselhão, colegiado organizado pelo governo federal com a presença de integrantes do empresariado e da sociedade civil.
Ele foi enviado pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, para representar a corte e receber manifesto da Comissão de Direitos e Democracia em Defesa das Instituições, do Judiciário e do Estado Democrático de Direito
“A democracia não é regime em que os conflitos devem sempre falar mais alto, pelo contrário. Democracia exige construção de convergência, por isso mesmo não é regime em que um grita mais e impõe sua vontade”, afirmou.
O ministro disse ainda que não é possível imaginar um Supremo intimidado e acovardado.
“Democracia não é regime em que um Poder do Estado, qualquer que seja ele, está plenamente feliz, porque, se estiver, é sinal que alguém está infeliz, ou outro Poder do Estado, ou mais grave, a população”, disse.
Sem citar diretamente o momento de mal-estar entre os Poderes em torno das emendas parlamentares, cuja liberação tem sido exigida no Congresso para dar seguimento à votação do pacote de corte de gastos do governo, Dino disse que quem fala em “ativismo judiciário” é porque ficou insatisfeito com decisão.
“Normalmente, essa critica quanto ao ativismo, vem daqueles que não gostam da decisão do Supremo. O Supremo, quando decide, agrada alguém e desagrada alguém. Esse que é desagradado diz ‘o Supremo se mete em muita coisa'”, disse.
“Mas, quando Supremo decide no sentido convergente com interesses A ou B, aí o Supremo está certo. Infelizmente não é esse tipo de debate que vai determinar conteúdo de uma decisão judicial. O Judiciário que fosse silenciado, amordaçado, só é possível nos regimes ditatoriais. O Judiciário tem funcionado de modo livre”, completou.
Estavam na plateia ministros de estado, como Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Fernando Haddad (Fazenda).
A contrariedade de integrantes do governo cresceu após Dino ter negado na segunda-feira (9) três pedidos feitos pela AGU (Advocacia-Geral da União) para facilitar o desbloqueio de mais de R$ 13 bilhões em emendas ainda não empenhadas.
As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso tem sido atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.
Os pedidos do governo para o STF estavam alinhados com a cúpula do Congresso. Eles miravam o pagamento de emendas “Pix” e a identificação dos parlamentares autores originais das emendas de comissão.
Com a negativa de Dino, o governo finalizou a portaria em menos de 24 horas. O texto pode abrir brechas para as emendas “Pix” enviadas para a área de saúde serem executadas sem a apresentação de planos de trabalho.
A portaria ainda permite que as emendas de comissão sejam executadas quando “qualquer parlamentar” se identifique como solicitante da verba -sem garantias de que o congressista seja efetivamente o responsável pelo dinheiro.
MARIANNA HOLANDA E LUCAS MARCHESINI / Folhapress