SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Se assumir a vaga aberta no STF (Supremo Tribunal Federal), o atual ministro da Justiça, Flávio Dino, pode ser considerado suspeito na hora de votar processos relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), afirmam especialistas.
A suspeição pode ocorrer em razão de diferentes declarações públicas contra o ex-presidente já feitas por Dino, que chegou a chamar Bolsonaro de “serial killer” e “próprio demônio”.
Durante a pandemia, o ex-governador do Maranhão pelo PC do B classificou a política adotada por Bolsonaro como “genocida” e disse que o então mandatário era “irresponsável”, “despreparado” e “desesperado”.
Entretanto, mesmo com a possibilidade de a parte interessada alegar suspeição, é pouco provável que Dino deixe de votar nos processos, segundo os especialistas.
Ricardo Gueiros, professor de direito constitucional da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), afirma que o Código de Processo Civil tem dois mecanismos para coibir a possível parcialidade dos juízes.
O artigo 144 cita os casos em que pode haver o impedimento do magistrado. Ele pode ser acionado quando o juiz, por exemplo, está prestes a votar em processos que envolvem companheiros ou parentes até o terceiro grau.
Já o artigo 145 prevê os casos de suspeição. É aventado quando há dúvidas se o juiz é amigo íntimo ou inimigo das partes do processo, por exemplo.
“As causas para o impedimento são mais fortes. Quando é o caso, dificilmente o juiz insiste em julgar o processo”, diz Gueiros. “Já a suspeição é mais subjetiva. Nesse caso, costumeiramente se vê o juiz tendente a julgar o processo, alegando que não é parcial.”
Há diferença entre impedimento e suspeição. Enquanto o impedimento tem regras mais objetivas, a suspeição dá margem à interpretação e nem sempre é reconhecida. Um aspecto comum é que tanto o impedimento quanto a suspeição têm como finalidade garantir imparcialidade nas decisões judiciais.
Segundo Gueiros, as falas de Dino sobre Bolsonaro poderiam ensejar suspeição. Ainda assim, seria pouco provável que a alegação fosse acolhida, tendo em vista o histórico do STF, que não costuma considerar o pedido procedente para os ministros da corte.
“O pedido de suspeição pela parte interessada muitas vezes não tem eficácia prática no STF. Depende mais de o próprio ministro se declarar suspeito. Se ele não o fizer, é pouco provável que a suspeição seja declarada pelo tribunal”, concorda Ana Beatriz Presgrave, professora de direito da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte).
Galeria Quem são os ministros do STF O Supremo Tribunal Federal é a mais alta instância do Judiciário brasileiro; conheça sua atual composição https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/nova/49738-ministros-do-supremo *** Para os dois especialistas, entretanto, seria mais adequado se o próprio Dino se declarasse suspeito ao julgar fatos sobre os quais já se manifestou envolvendo Bolsonaro.
“O instituto da suspeição serve para que o magistrado adote as cautelas devidas para evitar a mera aparência da parcialidade, mesmo se considerando imparcial para julgar”, afirma Gueiros.
Mesmo se Dino não se declarar suspeito, a corte tem recursos para evitar que o resultado final dos julgamentos seja parcial, diz Presgrave.
“As decisões precisam ser fundamentadas juridicamente, e o STF é um órgão colegiado. Esses são mecanismos que podem evitar que o enviesamento político de um julgador contamine totalmente o julgado.”
Já Vânia Aieta, presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-RJ e professora de direito da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), não considera que Dino precise necessariamente alegar suspeição nos processos envolvendo Bolsonaro.
“O Bolsonaro não é um desafeto ou inimigo do Dino. Eles foram opositores em campos políticos. Isso não quer dizer que Dino não tenha a serenidade para julgar o ex-presidente respeitando o devido processo legal”, afirma.
Para ela, entretanto, os mecanismos de impedimento e suspeição deveriam ser, de maneira geral, mais recorrentes, a fim de garantir a imparcialidade do Judiciário.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, também já deu declarações que geraram celeuma. A maior delas foi quando disse “nós derrotamos o bolsonarismo” durante evento da UNE (União Nacional dos Estudantes), em julho deste ano, em Brasília.
A fala gerou um pedido de impeachment protocolado por políticos bolsonaristas. Eles alegaram exercício de atividade político-partidária por parte do ministro.
Para Gueiros e Presgrave, o caso de Barroso é diferente, porque o magistrado não se referiu à pessoa de Jair Bolsonaro, mas a um movimento mais amplo, o bolsonarismo.
Ainda assim, Gueiros defende que juízes deveriam adotar uma postura mais cautelosa e fazer menos declarações públicas.
O que Dino já disse sobre Bolsonaro
“Serial Killer”
Enquanto era governador do Maranhão pelo PC do B, Dino chamou Bolsonaro de serial killer ao citar crimes de responsabilidade que teriam sido cometidos pelo ex-presidente durante a pandemia. A fala ocorreu em entrevista ao TVT, em abril de 2021.
“Desde o ponto de vista fiscal, essa tentativa de golpe. Coação no Judiciário, no Legislativo. Ameaças aos governadores com violação do princípio federativo. É um serial killer. Ele pega os tipos penais da Lei 1.079 e percorre com maestria. Um dos pontos altos, o que ele faz melhor na vida, é cometer crime de responsabilidade”, disse.
“É o próprio demônio”
Em abril de 2022, Dino chamou Bolsonaro de o próprio demônio. A fala se deu durante entrevista ao UOL, quando Dino falava da importância de uma terceira via para as últimas eleições presidenciais. Ele já havia deixado o cargo de governador do Maranhão para concorrer ao Senado.
Dias depois, Dino afirmou ” Bolsonaro perderá, mas nós precisamos que o bolsonarismo volte para a sua casinha. [Precisamos] que o demônio volte para o inferno. Para isso, é preciso que haja mais exorcistas em ação”. A declaração foi dada em entrevista ao jornal Valor Econômico.
“Política Genocida”, “irresponsável” e “despreparado”
Em diferentes ocasiões, Dino chamou a política de Bolsonaro durante a pandemia de genocida. O ex-governador do Maranhão fez publicações nas redes sociais chamando o ex-presidente de pessoa despreparada e desesperada e irresponsável.
“Esse é o triste retrato de onde uma política genocida colocou o Brasil. O mundo se livrando do coronavírus, enquanto que, na nossa pátria, irresponsáveis não se arrependem e não abandonam o caminho da insanidade”, escreveu em rede social em março de 2021.
ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA / Folhapress