SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aprovado pelo Senado, Flávio Dino será o primeiro ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), dentre os indicados desde 1985, a ter sido eleito para cargo do Executivo antes de compor a corte.
Incluindo o Legislativo no recorte, após um hiato de pouco mais de 25 anos, Dino é o quinto indicado desde a redemocratização a ter passado por cargo eletivo.
Depois de passar por sabatina na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Dino teve seu nome para o STF confirmado pelo plenário do Senado em votação na noite desta quarta (13) -recebeu 47 votos a favor e 31 contra, e houve duas abstenções. Ele precisava do apoio de ao menos 41 dos 81 parlamentares, em votação secreta.
Escolhido pelo presidente Lula (PT) para ocupar a segunda vaga aberta no tribunal neste ano, Dino foi governador do Maranhão por dois mandatos seguidos, pelo PC do B, a partir de 2015. Eleito senador em 2022, pelo PSB, cargo do qual se licenciou para comandar o Ministério da Justiça, ele exerceu ainda em sua carreira política o posto de deputado federal, tendo sido eleito em 2006.
O último caso semelhante se deu em 1997, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso nomeou Nelson Jobim para o STF. Deputado federal por duas legislaturas, Jobim à época da indicação chefiava a pasta da Justiça no governo.
Antes dele, Maurício Corrêa foi nomeado por Itamar Franco ao STF em 1994, alguns meses depois de ter deixado o cargo de ministro da Justiça. Eleito senador com início de mandato em 1987, Corrêa participou da Assembleia Constituinte.
Paulo Brossard, por sua vez, indicado ao STF em fevereiro de 1989 por José Sarney, ocupava até o mês anterior a cadeira de ministro da Justiça do governo. Com trajetória na política desde a década de 1950, já tinha sido eleito deputado estadual, deputado federal e senador pelo Rio Grande do Sul.
Completando a lista está Célio Borja, indicado por Sarney ao STF em 1986. Eleito deputado federal por mais de um mandato, ele atuou como assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República antes de compor a corte.
Além de Jobim, Brossard e Corrêa, a lista de ex-ministros da Justiça que chegaram ao STF desde 1985 tem ainda os ministros Alexandre de Moraes e André Mendonça, que exerceram o cargo, respectivamente, nas gestões de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Dino seria, portanto, o sexto da lista.
Parte deles, como Dino e Moraes, foi alçada direto de um cargo a outro. Mendonça, por sua vez, foi indicado quando exercia o posto de chefe da AGU (Advocacia-Geral da União).
Levantamento feito pela Folha de S.Paulo com base nos currículos dos ministros indicados desde 1985 mostra ainda que, dos 30 escolhidos no período, 10 exerceram alguma função no Executivo federal antes de serem escolhidos.
Além dos nomes já citados, estão os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que chefiaram a AGU, respectivamente, sob Lula e FHC. O ministro aposentado Celso de Mello exerceu os cargos de consultor-geral da República, assessor jurídico do gabinete civil da Presidência e secretário-geral da consultoria da República durante o governo de José Sarney.
Por fim, também ocupou cargo no governo o ex-ministro Francisco Rezek, o único a ter duas passagens no STF. Ele, que passou a integrar a corte no início dos anos 80, deixou o tribunal para assumir a pasta das Relações Exteriores sob Fernando Collor e foi indicado novamente à corte pelo então presidente em 1992.
Pesquisadora do Supremo e coordenadora do Núcleo de Estudos em Direito, Justiça e Sociedade (Nedjus) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a professora Fabiana Luci de Oliveira afirma que o exemplo de Rezek é o que mais se assemelha em termos de trajetória de carreira com a de Dino.
“Embora saindo da política, Rezek tem também experiência no direito”, diz ela. “Não vejo o fato de um ministro ter desempenhado cargos eletivos como algo que possa prejudicar a imagem do STF, até porque pesquisas vêm mostrando que a sociedade tem uma percepção e aceitação de que a tomada de decisão judicial é também política.”
Formado em direito, Dino foi aprovado em concurso e atuou por mais de dez anos como juiz federal no TRF-1. Exerceu ainda a presidência e direção de entidade de classe da magistratura federal. Ele foi indicado para a vaga deixada por Rosa Weber, que ingressou na magistratura por concurso. Com a saída dela, o único magistrado de carreira na composição atual da corte é o ministro Luiz Fux.
O professor da Universidade Federal de Santa Catarina Luciano Da Ros, que estuda o Judiciário, avalia que a presença de juízes de carreira na corte tem impacto no grau de legitimidade do STF junto aos graus hierárquicos inferiores do Judiciário.
“No topo da instituição deles, eles não se enxergam. Eles enxergam, em sua maioria, pessoas que orbitavam em torno do poder político”, diz Da Ros, que sistematizou dados sobre o tema em artigo publicado em 2013.
Por outro lado, ele ressalta que não há evidências quanto a se a indicação de mais magistrados de carreira teria reflexo, por exemplo, na percepção da sociedade e dos atores políticos em relação à corte.
Fernando Fontainha, que é professor de sociologia do direito do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj, considera a escolha por Dino como uma indicação clássica, pontuando que governantes de diferentes matizes ideológicas e tanto no período democrático quando autoritário indicaram figuras próximas a si ou de seu governo.
Ele é um dos organizadores do livro “Os Donos do Direito: A Biografia Coletiva dos Ministros do STF (1988-2013)”, no qual busca traçar a trajetória dos ministros sob diferentes aspectos, entre eles o aspecto político partidário. Dessa análise ele traça algumas diferenças entre aqueles advindos de cargos eletivos. Ao falar sobre Célio Borja e Paulo Brossard, por exemplo, ele vê diferença com Nelson Jobim.
“Esses dois têm de verdade uma carreira [política] longuíssima, um na Arena e o outro no MDB”, diz “Eles são últimos membros de uma geração que viu a profissionalização do direito. Então o [Nelson] Jobim eu acho que ele já é um jurista que se tornou um político.”
O cientista político Theófilo Rodrigues, pesquisador do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (Lappcom), por sua vez, destaca como relevante avançar no entendimento sobre qual foi o fato preponderante a guiar cada uma das escolhas dos diferentes presidentes.
Em artigo, ele sugere quatro categorias: a interna representaria indicações da confiança do presidente -como seria o caso de Dino. Na simbólica, por outro lado, o mandatário busca acatar demandas da sociedade, onde se situaria a indicação de uma primeira ministra negra para a corte.
Estariam na lista ainda as escolhas inseridas na lógica do presidencialismo de coalizão e, por fim, as indicações em que o mandatário busca passar uma mensagem de independência e republicanismo. “Mais importante do que a profissão, me parece [ser] a lógica política que levou cada ministro naquele momento político a ser indicado”, diz Rodrigues.
RENATA GALF E GÉSSICA BRANDINO / Folhapress