Diplomatas, médicos e analistas da CVM têm pior representatividade negra no setor público federal

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os diplomatas, médicos e analistas da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) têm a pior representatividade de pessoas negras entre os cargos da chamada elite do funcionalismo do Executivo federal. É o que mostra levantamento feito pela República.org, instituto voltado para promover o debate de políticas públicas de gestão de pessoas no serviço público.

O instituto fez um ranking dos 15 cargos com menor proporção de pessoas negras dentro do funcionalismo federal.

O levantamento, antecipado à Folha de S.Paulo, aponta que, no Itamaraty, apenas 5,1% dos diplomatas no posto de ministro de primeira classe (embaixadora ou embaixador) são pessoas negras, o que representa 6 dos 124 ocupantes do cargo. Entre os ministros de segunda classe, elas representam 7,4%. Esses cargos ocupam o primeiro e o segundo lugares do ranking e são os mais altos da hierarquia da diplomacia brasileira.

Outros dois cargos do Ministério das Relações Exteriores aparecem no ranking. Na quarta posição está o de conselheiro (com 12,9% de negros) e na 13ª posição o de primeiro secretário (com 18,8% de negros). O salário inicial dos diplomatas é R$ 20.927.

Os médicos que trabalham para o setor público federal, com vínculo de 20 horas, ocupam o terceiro lugar da lista com apenas 9,4% de pessoas negras. Nesse grupo, o salário inicial é de R$ 4.905.

Já os analistas da CVM —órgão supervisor do mercado de capitais vinculado ao Ministério da Fazenda—ocupam a quinta posição na lista de menor representatividade com 13,5% de pessoas negras. O salário inicial da categoria é de R$ 20.925.

“Quando olhamos os dados sobre servidores no Brasil, identificamos que as desigualdades chamam muita atenção”, diz a doutora em ciência política Vanessa Campagnac, que coordenou o levantamento. Segundo ela, as desigualdades refletem salários mais baixos.

A pesquisa verificou dados de 313 cargos de carreiras que contam, em 2024, mais de 100 vagas ocupadas. A pesquisadora explicou que o cargo de defensor público da União não tem remuneração inicial e final declarada no Painel Estatístico de Pessoal, fonte de dados do levantamento. A ausência dessa informação gerou uma lacuna no ranking em relação aos dados de salários para essa carreira.

A pesquisa fez também um ranking dos cargos com maior proporção de pessoas negras. Nessa lista, os salários são mais baixos. Os agentes de Polícia Civil estão no topo, com 85,3% de pessoas negras, seguidos pelos servidores públicos que são auxiliares de operação de serviços diversos (73,7%), cujo salário inicial é de R$ 3.237.

A doutora em ciência política Vanessa Campagnac, que coordenou o levantamento, explica que o cargo de agente de Polícia Civil existe no Executivo federal por causa dos servidores dos ex-territórios, extintos pela Constituição e incorporados à União.

Campagnac defende o sistema de cotas para a entrada no serviço público. Segundo ela, quanto mais representativos forem os grupos dentro do serviço público, maior a possibilidade de atendimento de serviços para todos os brasileiros.

Pessoas negras correspondem a 39,3% dos servidores efetivos do governo federal, de acordo com os dados coletados do Siape (Sistema Integrado de Administração de Pessoal). Em março de 2024, mais de 50% das pessoas brancas receberam acima de R$ 12.862, enquanto entre as pessoas negras esse valor ficou em R$ 9.916.

Isso pode ser explicado pela distribuição de pessoas brancas e negras entre as carreiras de maior e menor remuneração, de acordo com Renata Vilhena, presidente do conselho da República.org.

No levantamento, que será apresentado pela República.org na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), foram feitos cruzamentos também com as informações da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio), do IBGE ( Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)

Para Renata Vilhena, é essencial que haja maior representatividade da população negra na linha de frente dos serviços públicos —sobretudo em carreiras que desempenham um papel mais estratégico nas tomadas de decisão do governo, afirma.

PROGRAMA AFIRMATIVO

Em nota, o Itamaraty afirma à reportagem que foi o primeiro ministério a implementar seu Programa de Ação Afirmativa para Pessoas Negras, em 2002, com distribuição de bolsas-prêmio a aspirantes à carreira diplomática. Segundo a pasta, a tendência de aumento é positiva e está em curso.

“Desde 2015, como as demais instituições públicas brasileiras, o Ministério de Relações Exteriores cumpre a cota de 20% de pessoas negras em seus concursos de admissão às carreiras do serviço exterior brasileiro”, diz a pasta das Relações Exteriores.

O ministério afirma também reconhecer a necessidade de ampliar diversidade de seus quadros e diz que a atual administração está empenhada em série de medidas de promoção da diversidade e da inclusão.

Além disso, o Instituto Rio Branco (escola de formação dos diplomatas no Brasil) aumentou a representatividade negra no corpo docente, nas bancas de concursos e no conteúdo de seus cursos. O Ministério de Relações Exteriores também informa que alterou critérios de inclusão de diplomatas cotistas na lista de antiguidade, além de criar prêmio no Instituto Rio Branco para valorizar o melhor desempenho de aluno cotista.

O concurso de admissão à carreira diplomática de 2024 previu mudanças no edital que pretendem aumentar as oportunidades para pessoas negras, mulheres e pessoas com deficiência.

Para o Itamaraty, as mudanças possíveis se dão a partir de medidas de incentivo à maior entrada e ascensão de pessoas negras, que estão sendo adotadas, mas seu impacto na alta chefia tende a ser de médio e longo prazo.

Segundo o ministério, a turma que se formou no Instituto Rio Branco em 2024 é a mais diversa da história, com 22% de mulheres negras, mas sua chegada à alta chefia tende a demorar muitos anos. A primeira turma de cotistas, de 2015, não alcançou um terço do tempo médio de promoção a embaixador. A primeira turma do Programa de Ação Afirmativa, de 2002, ainda não alcançou o topo da carreira.

Os dados do Itamaraty sobre a parcela de pessoas negras nos cargos diferem para mais ou para menos do levantamento da República.org, mas são próximos. Pelos dados oficiais da pasta, nos cargos intermediárias e iniciais, a proporção de pessoas negras vem aumentando: na classe de conselheiro, são 14%; na classe de primeiro secretário, são 17%; na classe de segundo secretário, são 24%; na classe de terceiro secretário, são 27%. Nos cargos superiores, são 5% de pessoas negras no cargo de ministro de primeira classe (embaixadora ou embaixador) e 9% na classe de ministro de segunda classe.

Procurado, o MGI (Ministério de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), responsável pela folha de pessoal e a política de contratação do governo federal, não respondeu ao pedido da reportagem sobre medidas que podem ser adotadas para aumentar a representatividade.

ADRIANA FERNANDES / Folhapress

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