GRAMADO, RS (FOLHAPRESS) – Prestes a completar 40 anos de carreira, a atriz Dira Paes estreia como diretora em “Pasárgada”, um filme contemplativo sobre pássaros, a floresta e o reencontro de uma mulher em desarmonia consigo mesma. A protagonista é Irene, uma ornitóloga vivida pela própria Paes.
Exibido na terça-feira no Festival de Gramado, o longa é uma produção conjunta de Paes, Pablo Baião, seu marido, e a produtora Eliane Ferreira, sua prima. A trilha sonora fica entre o canto do passaredo e Fafá de Belém, que subiu ao palco do festival de cadeira de rodas devido a uma lesão no joelho.
A obra foi rodada durante a pandemia, com a equipe reclusa na Mata Atlântica fluminense, precisamente no distrito do Arraial do Sana, em Macaé, a 165 km do Rio.
Irene participa de um grupo internacional de tráfico de animais e precisa executar mais um trabalho: mapear pássaros, a partir de seus sons, e facilitar a transação dos animais para Dubai.
É uma mulher sem vínculos –sofre com o distanciamento que criou com a filha, mas não tenta ou não consegue recuperar esse laço. Seu motivo existencial é o trabalho, até o momento em que vai para Macaé e inicia um processo interno de reencontro.
Quem facilita essa autodescoberta é a própria floresta e dois homens locais, os mateiros Manuel –Humberto Carrão– e Ciça –Ilson Gonçalves–, que a ajudam na peregrinação em busca das aves exóticas mas desconhecem os reais motivos da investigação.
Irene tem atração por Manuel, um personagem rural simples, que fala a “língua das aves”, com assovios de todo tipo. Trata-se do primeiro personagem rural de Carrão, já que a filmagem antecede “Renascer”, na qual ele interpreta José Inocêncio quando jovem. São personagens muito distintos, aliás.
Carrão se desmonta do ar galã e de poderio, com uma postura tímida. O ator não foi a Gramado porque está em um curso nos Estados Unidos. O nome do personagem é uma alusão a Manuel Bandeira, autor do poema “Pasárgada”, que intitula o filme.
“Eu queria que ele fosse um ativador das sensações dela, da tropicalidade dela, mas não queria que fosse romântico. Nem sempre é amor, às vezes é só remédio, só uma coisa que a gente precisa tomar”, disse Paes em debate sobre o filme.
A obra é contemplativa e intimista, musicada por Fafá somente em algumas cenas em que Irene está sozinha. “A gente quis trazer a observação. Viver o tempo parado é uma coisa que a gente não consegue mais. Eu queria outro tipo de imersão”, afirmou. “A novelização é estrutural hoje, as pessoas querem ver filmes com diálogos, tudo contadinho.”
Como foi feito na pandemia, a direção explorou as videoconferências, em cenas que não foram editadas. Nelas, Irene conversa com seu chefe ou sua irmã, interpretada por Cássia Kis.
A escolha de Cássia foi uma surpresa para o público, diante das posições políticas conflitantes com o resto do elenco. Tanto Carrão como Paes se manifestaram politicamente contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, apoiado por Kis.
A reportagem apurou com a equipe do filme que o pedido para a participação foi antes de Kis tornar-se uma figura presente em protestos antidemocráticos e que se optou por respeitar seu legado como atriz.
“Cássia é uma atriz brilhante, fomos irmãs em ‘Ele, o Boto’, de Walter Lima Jr., e pensei imediatamente nela para o papel de minha irmã. Eu amo a Cássia Kis, apesar de todas as nossas divergências ideológicas”, diz Paes.
Ela afirma também que tem novos projetos na cabeça, mas que tem muitos roteiros interessantes para fazer como atriz. “Pasárgada”, dedicado ao cineasta John Boorman, estreia em 26 de setembro no circuito comercial.
Em Gramado, concorre com outros seis longa-metragens. Na curadoria deste ano, do ator Caio Blat e do crítico Marcos Santuário, quatro de sete realizações são femininas na mostra de longas.
PAULA SOPRANA / Folhapress