FOLHAPRESS – Ninguém irá negar a posição de Dira Paes como uma das maiores atrizes brasileiras de sua geração, em pé de igualdade com Fernanda Torres, Andréa Beltrão e Claudia Abreu, para ficarmos em algumas das que começaram a se destacar nos anos 1980.
O trabalho de Paes atravessou diferentes fases do cinema brasileiro, da crise da Embrafilme à chamada Retomada, e desta para o cinema das leis de incentivo, passando, obviamente, pela nova crise instalada pelas políticas culturais do governo federal anterior.
Em seu currículo, obras polêmicas como “Amarelo Manga”, 2002, e “Baixio das Bestas”, 2006, ambos de Cláudio Assis, ou a busca pela poesia de “Corisco & Dadá”, 1996, de Rosemberg Cariry, e “Órfãos do Eldorado”, 2015, de Eduardo Coelho.
Como diretora, ainda é difícil situá-la em algum panteão. “Pasárgada”, seu primeiro longa, foi exibido pela primeira vez no último Festival de Gramado, em agosto deste ano, obtendo reações variáveis, da frieza ao encanto modesto.
A atriz interpreta Irene, uma ornitologista que acaba se envolvendo em um esquema ilegal de tráfico de pássaros. Uma vez na floresta, ela começa a se sentir parte daquela natureza exuberante, e passa a ter dúvidas sobre sua missão ali, onde é “amiga do rei”.
Se “Pasárgada” falha em se apresentar como um trabalho de estreia digno, a atriz paraense demonstra algumas qualidades em sua direção, principalmente pelo desejo de olhar e dar a ver o resultado desse olhar. Esse desejo é parte do caminho, mas infelizmente não basta.
O longa é dedicado a John Boorman e Walter Lima Jr., realizadores com quem filmou, respectivamente, “A Floresta das Esmeraldas”, de 1985, e “Ele, o Boto”, de 1987. São seus dois primeiros filmes como atriz, ainda na adolescência.
E é com eles que Dira Paes parece buscar uma sintonia: o chamado da natureza, um certo aspecto de thriller disfarçado pela necessidade de contemplar as paisagens, momentos de observação dos pássaros e alguma tentativa de poesia, não raro em falso.
Curiosamente, “Pasárgada” não parece um típico primeiro filme, no sentido de que não vemos um acúmulo de ideias, mas uma única ideia estilhaçada e levada com um tempo mais lento, uma tendência a um misticismo piegas e uma trama resolvida em notebook que poderia ter sido mais trabalhada, ou, preferencialmente, não trabalhada num notebook.
Ou seja, no lugar do acúmulo de ideias, o acúmulo de pontas soltas. No lugar de um filme calcado em boas atuações, como é de se esperar quando quem dirige é alguém que conquistou fama e prestígio, amplamente merecidos, na frente das câmeras, temos tentativas na maior parte falhadas de continuar o trabalho de seus mestres.
Não dá para entender, por exemplo, a decisão de fazer a trama avançar por meio de conversas online com o contrabandista interpretado por Peter Ketnath. Nesse sentido, a conversa online com a irmã interpretada por Cássia Kis beira o constrangedor.
A tela de um notebook raramente é fotogênica no cinema. Logo, convém não explorar esse tipo de imagem, sobretudo quando se está começando a dirigir.
Além do mais, a trama é fraca. Não ajuda o letreiro que informa a existência do problema do tráfico de pássaros. Esse tipo de letreiro, normalmente, mais atrapalha do que ajuda. Pois não basta mostrar um problema verdadeiro para se ter um bom filme.
Há, contudo, dois belos momentos de durações variáveis. Quando o ajudante contratado para atrair pássaros, interpretado por Humberto Carrão, começa a assobiar, deixa Irene ao mesmo tempo interessada e curiosa com a desenvoltura do ajudante no assobio.
O outro é a imagem da protagonista repartida no espelho, o que reflete sua indecisão entre participar do esquema e defender a natureza que parece amar.
São dois momentos que revelam um olhar, uma sensibilidade artística capaz de voar com os pássaros. Pensando neles, justamente, sentimos um pesar pelo que deu claramente errado no desenrolar da trama, que parece não encontrar conforto entre a rarefação e a narração.
Encontrar um equilíbrio melhor ou partir em direção a um dos extremos com afinco e devoção: esses parecem ser os caminhos para que Dira Paes diminua a distância entre suas características como diretora e o enorme talento comprovado como atriz.
PASÁRGADA
– Avaliação regular
– Quando 26 de setembro
– Onde Nos cinemas
– Elenco Dira Paes, Humberto Carrão, Peter Ketnath
– Produção Brasil, 2024
– Direção Dira Paes
SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress