BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A direção da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) sob o governo Lula (PT) tentou interferir nas investigações sobre o uso do software espião FirstMile durante o governo Jair Bolsonaro (PL), diz a Polícia Federal.
No pedido que fez ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes para a realização de operação desta quinta-feira (25), a PF afirma que “a direção atual da Abin realizou ações que interferiram no bom andamento da investigação”.
Para a PF, houve “conluio de parte dos investigados com a atual alta gestão da Abin”, que teria causado prejuízos à investigação e também à própria agência.
O órgão cita o número dois da agência, Alessandro Moretti, e diz que, em reunião com investigados, ele afirmou que a apuração sobre o caso tinha “fundo político e iria passar”. Moretti é delegado da PF.
No pedido, a entidade diz que a postura de Moretti não é a esperada de um delegado que, até dezembro de 2022, ocupava a função de diretor de Inteligência da Polícia Federal.
Afirma ainda: “A reverberação das declarações da Direção da Abin, portanto, possui o condão de influir na liberdade e na percepção da gravidade dos fatos pelos investigados ao afirmar a existência de ‘fundo político’ aos investigados.”
Com base em depoimento, a PF diz que houve, após o início das investigações, uma estratégia da direção-geral da Abin para “tentar acalmar a turma”.
“A percepção equivocada da gravidade dos fatos foi devidamente impregnada pela direção atual da Abin nos investigados”, diz a Polícia Federal.
“A revolta dos investigados com a progressão da investigação resultou nas seguintes ações com a atual Direção da Abin: ‘Construir uma estratégia em conjunto’, o ‘acordo para cuidar da parte interna’, bem como a ‘a DG [diretoria-geral] conseguiu convencer o pessoal que há apoio lá de cima'”, acrescenta trecho do relatório da PF reproduzido por Moraes.
Moretti foi número dois de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, de 2018 a 2021, e diretor de Inteligência na PF no último ano do governo Bolsonaro.
Quando Lula indicou o delegado da PF Luiz Fernando Corrêa para o comando da Abin, o Senado atrasou sua sabatina por ele ter escolhido pessoas apontadas como bolsonaristas para a cúpula da agência, inclusive Moretti.
Ao ser sabatinado, Corrêa saiu em defesa de Moretti e disse à comissão que, “gozando da confiança do presidente, jamais correria o risco de expor qualquer governo a uma situação no mínimo constrangedora de indicar alguém que não tivesse esse status para a posição que estamos indicando”.
Também em seu relatório ao ministro do STF, a PF afirma ter encontrado na sede da Abin, durante a busca e apreensão realizada no órgão no ano passado, “outras possíveis ferramentas de espionagem”, a Cobalt Strike e a LTESniffer.
“As buscas realizadas na sede da Abin revelaram anotações compatíveis com a ferramenta Cobalt Strike passível de ser utilizada como meio de intrusão em computadores.”
Em manifestações anteriores, a Abin disse que aposentou o FirstMile em 2021 e não adquiriu outra ferramenta.
Na operação desta quinta, autorizada por Moraes, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão e de suspensão de exercício de funções públicas de policiais federais envolvidos no uso do FirstMile.
Os mandados foram cumpridos em Brasília (DF), Juiz de Fora (MG), São João Del Rei (MG) e Rio de Janeiro (RJ). Um dos alvos de busca foi Alexandre Ramagem, chefe da Abin no governo de Bolsonaro, atual deputado federal e pré-candidato do PL à Prefeitura do Rio de Janeiro.
Como mostrou a Folha, Ramagem é investigado porque os monitoramentos ilegais ocorreram durante sua gestão e por supostamente ter se corrompido para evitar a divulgação de informações sobre o uso irregular do software espião durante sua gestão.
O ex-diretor da Abin teria sido corrompido por dois oficiais da Abin que ameaçaram divulgar o uso do software espião após a agência cogitar demiti-los em um processo administrativo interno por participação em uma fraude licitatória do Exército.
Segundo a PF, as provas coletadas na primeira fase da operação mostram que “o grupo criminoso criou uma estrutura paralela na Abin e utilizou ferramentas e serviços daquela agência de inteligência do Estado para ações ilícitas, produzindo informações para uso político e midiático, para a obtenção de proveitos pessoais e até mesmo para interferir em investigações da Polícia Federal”.
Procurada, a Abin ainda não se manifestou.
JOSÉ MARQUES E FABIO SERPIÃO / Folhapress