Discurso ofensivo contra eleitas visa atrapalhar mandatos, dizem TREs

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – As duas condenações por TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) pelo crime de violência política de gênero mostram que os desembargadores envolvidos nos julgamentos entenderam que discursos ofensivos contra mulheres com cargo eletivo têm potencial para dificultar o exercício do mandato.

Esse foi o entendimento dos órgãos colegiados do Ceará e do Rio de Janeiro, que analisaram denúncias do crime tipificado em 2021. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ainda não analisou casos do tipo, que devem agora chegar a Brasília por meio de recursos.

A lei eleitoral passou a considerar violência política de gênero o ato de “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia”.

O texto também estabelece que a ação deve ter a “finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.

Na quinta-feira (2), o TRE-RJ condenou o deputado estadual Rodrigo Amorim (União Brasil) por ter chamado a vereadora de Niterói Benny Briolly (PSOL), uma mulher trans, de “aberração da natureza” e “boi zebu”, entre outras ofensas, em discurso na Assembleia Legislativa.

Em novembro do ano passado, o TRE-CE já havia condenado pelo crime eleitoral Maurício Martins (sem partido), vereador de Russas, por ter comparado três deputadas estaduais a “borboleta que se transforma em lagarta encantada, que aparece só no Dia Internacional da Mulher, querendo vender ilusão”, entre outras críticas.

O caso de Amorim foi o primeiro a expor divergências entre os julgadores. Embora todos tenham criticado os termos usados pelo deputado estadual, 3 dos 7 desembargadores avaliaram que não houve tentativa de dificultar o exercício do mandato de Briolly.

O relator do caso, o desembargador Peterson Simão, defendeu a condenação do deputado estadual. Para ele, as ofensas visavam deslegitimar a vereadora como representante dos eleitores.

“O réu teve o ostensivo propósito de dificultar-lhe o desempenho do mandato, tendo utilizado expressões com a inequívoca intenção de desacreditá-la e descredenciá-la como parlamentar perante todos que tivessem acesso às suas palavras”, disse ele.

A divergência foi aberta pela revisora do caso, a desembargadora Daniela Bandeira. Ela afirmou que o discurso, “permeado de expressões homofóbicas e misóginas”, “não se amolda ao tipo penal contido no Código Eleitoral”.

“Não há como extrair do discurso do réu o especial fim de agir legalmente delimitado. […] Não há como se afirmar que se teve como finalidade impedir ou dificultar o desempenho do mandato. […] Benny Brioly sequer estava presente. O que afasta o especial fim de agir”, afirmou ela.

A desembargadora Kátia Junqueira rebateu o argumento. Ela ressaltou o fato do deputado, de acordo com testemunhas, ter um comportamento mais comedido durante as sessões das comissões, mais restritas, e mais bélico no plenário, cujas falas têm transmissão ao vivo.

“Esse ponto é muito importante para se consumar o crime em questão. Quando sabia que sua fala seria pública, o parlamentar a usava de forma agressiva para ofender grupos vulneráveis. Ele atuou com o pleno conhecimento de que suas falas em direção à vítima chegariam ao seu pleno conhecimento e, não só isso, a um número indeterminado de pessoas”, disse.

“O réu, de forma dolosa, com plena consciência das circunstâncias de sua atuação, humilhou a vítima com a finalidade de demonstrar que essa não era digna de construir uma carreira política, de continuar exercendo seu mandato”, afirmou Junqueira.

Os desembargadores também decidiram, por maioria, não considerar a imunidade parlamentar no caso, avaliando que a prerrogativa não permite o cometimento de crimes.

Em nota, o deputado disse que “a conduta que originou o processo se deu no calor de intensos debates ideológicos na Assembleia Legislativa, no qual não havia como obstar o mandato parlamentar de alguém que sequer é da mesma Casa legislativa”.

“Os três votos pela absolvição deixaram claro que há entendimentos contrários à tese de que houve crime. O processo não acabou e eu usarei do meu direito, garantido em lei, de interpor recurso à decisão. Sigo defendendo a liberdade de expressão, sobretudo a de um parlamentar em plenário”, disse Amorim.

O TRE-CE, por sua vez, confirmou por unanimidade a condenação de Martins. Em seu voto, o relator Francisco Gladyson Pontes entendeu que a fala do vereador “quis botar à prova, perante toda a sociedade Russas, o trabalho desenvolvido pelas deputadas na qualidade de parlamentares e representantes direta no povo, pairando ainda, sua integridade moral uma vez que afirmou que as mesmas ‘vendiam ilusão'”.

“Não devemos esquecer que, tal atitude, reflete diretamente no desempenho dos mandatos, uma vez que deixa a integridade moral das vítimas ridicularizadas perante o povo, principalmente, aqueles que os elegeram.”

O crime de violência política de gênero foi criado em agosto de 2021 na lei 14.192, uma vitória da bancada feminina no Congresso. A legislação estabelece regras para prevenir, reprimir e combater a violência política contra mulheres, alterando o Código Eleitoral, a Lei dos Partidos Políticos e a das Eleições.

Qualquer candidato ou político pode ser vítima de violência política, um ato que tenta minar uma candidatura com ameaça e intimidação, de forma organizada ou não. A segmentação do gênero, entretanto, foi resultado dos debates sobre igualdade de gênero na política e os efeitos da violência em candidaturas femininas, bem como nas da população LGBTQIA+, de negros e indígenas.

ITALO NOGUEIRA / Folhapress

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