BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa do Instituto Fogo Cruzado revela que o discurso pró-armamento tem dominado os debates no Congresso há uma década, atraindo um público cada vez mais diversificado. Por outro lado, a postura de deputados e senadores contrários ao armamento tem enfraquecido, resultando em uma perda de força na defesa do controle de armas.
O estudo “O que o Congresso Nacional Fala sobre o armamento civil?” mostra que a defesa do armamento teve impulso a partir da legislatura iniciada em 2015. Dos 544 discursos realizados daquele ano até 2023, a defesa do armamento domina as discussões: 376 (69%) foram pró-armamento, 157 (29%) pró-controle e 11 (2%), neutros.
O primeiro discurso sobre armamento identificado pelo estudo foi em 1951. Na 52ª legislatura (2003-2006), o assunto ganhou destaque, impulsionado pelo debate sobre o Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003.
A relevância do tema diminuiu nos anos seguintes, mas na 55ª legislatura (2015-2018) os discursos pró-armamento ganharam força e lideraram. O que ocorreu antes mesmo de Jair Bolsonaro (PL), defensor do armamento, chegar ao poder, mas em um movimento que acompanhou sua ascensão. O cenário se mantém até 2023.
Segundo os pesquisadores, nas eleições de 2014 houve uma intensa renovação das elites políticas, com a ascensão de novos deputados e senadores. Na Câmara, por exemplo, 198 deputados assumiram o cargo pela primeira vez, incluindo Eduardo Bolsonaro (PL-SP), enquanto Jair Bolsonaro foi o mais votado no Rio de Janeiro.
A chegada de novos parlamentares, sobretudo do perfil conservador, resultou ainda em maior instabilidade entre Executivo e Legislativo. Em 2016, o Congresso aprovou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), levando à gestão de Michel Temer (MDB).
Durante o governo Temer (2016-2018), o Brasil atingiu um recorde de violência letal, com mais de 64 mil assassinatos, e foi criado o Ministério da Segurança Pública. Também nesse período teve início a flexibilização das normas sobre armamento, permitindo que CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) transportassem armas municiadas do local de guarda ao local de treino, o chamado porte abacaxi.
Já na 56ª legislatura (2019-2022), com Bolsonaro presidente, o discurso sobre armas no Congresso foi preponderante. As políticas de ampliação do acesso a armas avançaram por meio de decretos e portarias, enquanto o Legislativo reduziu sua atividade no tema.
Durante o governo Bolsonaro, foram publicados 17 decretos presidenciais, 19 portarias, dois projetos de lei, duas resoluções e três instruções normativas para ampliar o acesso a armas e munições, enfraquecendo os mecanismos de controle e fiscalização.
Após as eleições de 2022, a desigualdade entre os campos se amplia. No primeiro ano da 57ª legislatura (iniciada em fevereiro de 2023), o número de discursos pró-armamento foi mais de três vezes maior que os pró-controle.
Isso reflete a eleição de muitos parlamentares com discurso armamentista, que vieram na esteira do bolsonarismo. Como a Folha de S.Paulo mostrou, somente com o apoio do Grupo Proarmas, foram 7 senadores e 16 deputados federais.
Entre os eleitos está o deputado Marcos Pollon (PL-MS), presidente da instituição. Ele ganhou destaque ao defender a política armamentista e por ser próximo da família Bolsonaro.
Terine Husek Coelho, gerente de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, destaca que, apesar de o discurso ser concentrado entre homens e brancos, o campo pró-armamento se renova e conta na atual legislatura com mais mulheres e jovens. Enquanto o outro grupo é composto majoritariamente por pessoas mais velhas.
“O debate da segurança está sendo dominado pelo pró-armamento, e que traz como saída o armamento civil. Isso pode agravar o problema da violência, como mostram as pesquisas. É importante questionar se é isso mesmo que a população deseja”, disse.
Desse 544 discursos analisados, os pesquisadores constataram que apenas 165 (30%) mencionaram dados, estatísticas ou pesquisas científicas sobre o tema. Desses, 107 foram do campo pró-armamento e 58 do campo pró-controle.
Em 55% dos casos com citações de referências, não houve menção da fonte dos dados, dificultando a confirmação de sua veracidade. Nos demais casos, foram citadas fontes variadas, como agências da ONU (Organização das Nações Unidas), Mapa da Violência do Ipea e Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
Os discursos foram analisados e divididos em cinco blocos temáticos: medo da violência, gestão da segurança, o cidadão de bem, o papel da política e impactos diferenciados das armas.
Parlamentares pró-armamento dominam argumentos de dois blocos: “medo da violência” e “o cidadão de bem”. No primeiro caso, defendem a necessidade da arma para proteção pessoal, alegando que o estado não consegue controlar a violência sozinho.
Já no segundo bloco, os defensores do armamento da população defendem que os cidadãos são “de bem” quando cometem crimes para se defender. Dessa forma, reivindicam medidas que facilitem sua vida e garantam seus supostos direitos.
Parlamentares pró-controle dominam os outros três blocos nos discursos. Usam argumentos técnicos sobre a interação entre política de armamentos e segurança pública. Eles também questionam as funções e limites de atuação dos poderes Executivo e Legislativo no tema, além de discutir os impactos diferenciados das armas em populações específicas, como crianças, adolescentes, negros e mulheres vítimas de violência.
RAQUEL LOPES / Folhapress