BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Câmara dos Deputados adiou a discussão sobre a retomada do Imposto de Importação em compras internacionais de até US$ 50 em meio à resistência da base do governo.
O tema gera contrariedade sobretudo entre integrantes do PT, que temem a reação da base eleitoral do partido e defendem a continuidade da isenção existente hoje.
O dispositivo seria votado nesta quarta-feira (8) e atenderia ao pleito de varejistas nacionais que se dizem prejudicadas por uma concorrência desleal com os produtos estrangeiros.
O dispositivo foi inserido em um projeto do governo de incentivo a carros sustentáveis, o Mover (Programa Mobilidade Verde e Inovação) -mas, diante da falta de consenso, o projeto todo teve votação adiada e deve demorar a voltar à discussão em plenário.
A princípios, líderes parlamentares se mostraram favoráveis ao retorno da cobrança -mas, com a base titubeando sobre o tema, acabaram voltando atrás. O diagnóstico entre representantes partidários é de que o governo acabaria vendo implementada uma cobrança que no fundo deseja, por render mais receitas federais, sem os ônus da iniciativa.
A área técnica da Receita Federal apoia a medida, mas o governo tem evitado se envolver publicamente com o assunto. De um lado, compraria briga com as empresas nacionais; de outro, com o eleitorado. Perguntado sobre sua posição acerca do tema, o Ministério da Fazenda afirmou que “não vai comentar”.
O jornal Folha de S.Paulo publicou em janeiro que governo e Congresso discutiam a possibilidade de taxar compras internacionais de até US$ 50, hoje isentas, para compensar eventual prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores. O Ministério da Fazenda já vinha debatendo internamente a elevação.
De acordo com relatos de líderes partidários, os governistas se mostraram divididos sobre o tema nesta semana. Enquanto alguns representantes defendiam a volta da taxação, integrantes do PT eram contra -baseados na ideia de que a cobrança poderia gerar impopularidade justamente entre a base eleitoral de Lula. Caso o dispositivo fosse aprovado, o PT poderia inclusive apresentar um destaque pela retirada.
Segundo os relatos, houve incômodo do Centrão, que criticou a divergência interna do governo. O próprio presidente Arthur Lira (PP-AL) teria cobrado de líderes da base uma resolução para o imbróglio. Está na mesa a possibilidade de uma retomada gradual da tributação.
Na sessão de terça (7), Lira chegou a impedir que a cobrança sobre as compras de até US$ 50 fosse chamada de “jabuti” pelo Capitão Alberto Neto (PL-AM). A expressão, usada para casos em que uma medida é incluída em projeto sem relação com o tema, foi mencionada por Neto –mas retirada pelo presidente da Casa das notas taquigráficas (o registro oficial dos discursos).
“Não é jabuti, a gente vai começar a ter respeito. Nós estamos tratando de equiparação de tratamento de competição da empresa nacional”, afirmou Lira. “Defendo e concordo que o senhor tem direito de explanar a sua posição, agora […] não condiz com a realidade de estar defendendo o seu ponto de vista falando em jabuti com essa Casa.”
O tema é delicado para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tentou uma medida voltada ao tema no ano passado em meio ao esforço para equilibrar as contas públicas e teve de recuar após forte reação -principalmente nas redes sociais.
A medida ganha ainda mais sensibilidade em meio à queda de popularidade do governo Lula reforçada por pesquisas de opinião. No ano passado, a iniciativa de taxar as compras foi criticada inclusive pela primeira-dama Rosângela Silva, a Janja, que inclusive atuou contra a iniciativa.
Agora, a medida voltou a ser discutida agora por pressão das empresas nacionais tanto no Legislativo como no Judiciário. Enquanto no Congresso o governo tenta não se envolver publicamente com a questão, no STF (Supremo Tribunal Federal) o posicionamento ficou explícito após o ministro Fernando Haddad (Fazenda) enviar uma manifestação sobre o tema.
Nele, o Ministério da Fazenda lista argumentos para que as compras fiquem isentas. Mas defende, mesmo assim, no que a alíquota do Imposto de Importação sobre compras internacionais de até US$ 50 não passe de 30%, caso a corte decida pela tributação desses produtos.
A manifestação foi enviada por Haddad no âmbito de um processo movido pela CNI (Confederação Nacional da Indústria) e pela CNC (Confederação Nacional do Comércio), que pedem a volta da cobrança.
Entre eles, que a alíquota zero para remessas postais em valor inferior a US$ 50 é constitucional e não afronta a isonomia ou a livre concorrência. “De um lado, trata-se de tributo que não incide sobre o produtor nacional; de outro, trata-se de tributo que não possui vocação para compensar práticas comerciais indesejadas de determinados países”, afirma.
Mesmo assim, a pasta afirma que, na hipótese de o STF decidir pela cobrança, proporia que “a alíquota do imposto de importação não superasse 30%”. De acordo com a Fazenda, o percentual proposto visa manter os princípios constitucionais da isonomia e da livre concorrência.
Para a pasta, o limite percentual é necessário também para manter a viabilidade do Remessa Conforme -programa criado pelo governo no ano passado e que isenta as compras internacionais de até US$ 50 caso a empresa siga uma série de regras da Receita Federal.
As condições para receber o benefício são a remessa ter sido enviada para o Brasil por empresa certificada previamente no programa e ter sido registrada de forma antecipada à chegada da remessa, além de o imposto estadual ter sido pago pelo comprador diretamente ao site de venda e o valor do ICMS ser enviado aos Correios para que a estatal faça o recolhimento aos estados.
A pasta considera que a alíquota padrão, de 60%, poderia prejudicar o funcionamento de programa, que a Receita vê com resultados positivos, até porque os bens já estão sujeitos ao recolhimento do estadual ICMS, de 17%.
FÁBIO PUPO, ADRIANA FERNANDES E VICTORIA AZEVEDO / Folhapress