Disputa por lixo na cracolândia movimenta 12 quilos de resíduos por usuário diariamente

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Deitado na calçada sobre um cobertor usado para carregar pedaços de papelão, José Carlos Washington, 68, recobrava as forças antes de entrar no depósito de material reciclável, onde trocaria o material recolhido durante o dia todo por R$ 2. “Dá para comprar um trago pelo menos”, diz o usuário de crack que frequenta a cracolândia há 20 anos.

O depósito fica a poucos passos de onde se concentra o fluxo de dependentes químicos, na rua dos Protestantes, na Santa Ifigênia, bairro do centro de São Paulo.

Assim como ele, a coleta de lixo reciclável é a forma encontrada pela maioria dos usuários de drogas que frequenta a cracolândia para manter o vício. As latinhas, pedaços de papelão e de ferro encontrados nas ruas são trocados por moedas para comprar droga. “Prefiro fazer isso para sustentar meu vício do que roubar”, diz Márcio Oliveira Ramos, 43, que organiza a fila de catadores na entrada do depósito.

Como a maior parte do lixo carregado de outras partes da cidade não tem valor de venda, e se soma a restos de marmita, cobertores usados e caixotes de madeira usados para dispor as drogas, impressiona o acúmulo de resíduos deixados para trás pelos usuários a cada ação de limpeza nas ruas ocupadas.

Em um ano, a administração municipal recolheu, em média, 365 toneladas de resíduos por mês nos pontos ocupados pela cracolândia na região central. Se for levada em conta a média de mil pessoas que formam o fluxo todos os dias, dá cerca de 12 quilos de lixo por pessoa diariamente.

O amontoado de inservíveis é recolhido por funcionários da prefeitura em ações de limpeza com varredores e caminhões realizadas duas vezes por dia nas vias onde os usuários se aglomeram, na ruas dos Gusmões e na Protestantes.

Em comparação, em toda cidade, são coletadas, em média, 6.800 toneladas de lixo reciclável por mês, o que representa 0,5 quilo por pessoa.

A maioria dos usuários diz que prefere andar até pontos de intensa atividade comercial, como o Brás e a rua 25 de março, onde há maior fartura de material reciclável. “Tem que rodar pelas ruas. Depois das 16h as lojas começam a colocar o lixo para fora e é o melhor horário. Cheguei a carregar 200 quilos de ferro na cabeça”, diz Ramos, que trabalhava como terapeuta em uma comunidade terapêutica antes de recair mais uma vez e voltar a frequentar a cracolândia. Hoje, ele ganha R$ 6 por hora para trabalhar no depósito de recicláveis.

Enquanto organiza a fila de quem chega com pilhas de material, ele faz questão de mostrar fotos em que aparece recuperado em uma rede social. “Eu emagreci mais de 10 quilos desde que voltei para a cracolândia há cinco meses”, diz. “Nem todos os usuários roubam, a grande parte se mata todos os dias debaixo do sol para pegar a reciclagem e fazer uso da substância.”

Há ao menos outros três endereços que compram material reciclável no entorno do fluxo de usuários, mas foram fechados em ações policiais recentes. “Continuo aberta por milagre, não sei explicar o motivo”, diz a dona do depósito na rua dos Protestantes, Aline Fátima, 41, que trabalhou a vida toda com reciclagem.

Ela conta que começou como “formiguinha” na rua 25 de março, a forma como são conhecidos os catadores que recolhem os recicláveis sem carroças. “Existe a reciclagem sem a cracolândia, mas a prefeitura associa os dois”, diz. “[A gestão municipal] nem daria conta de recolher todo esse lixo se não fossem os catadores”, continua.

Atualmente, a cotação do papelão está R$ 0,05 o quilo. A lata de alumínio paga R$ 4 o quilo, e é a modalidade mais buscada pelos catadores, com exceção do fio de cobre. “Isso eu não compro, e nem tampas de ferro de bueiros”, diz Aline sobre os itens que costumam ser produtos de furtos.

Pelo baixo preço dos materiais recolhidos, é preciso juntar um volume razoável para pode arrecadar um pouco mais do que centavos. Para isso, os usuários costumam fazer várias viagens ao depósito ao longo do dia, como relata Ivanir de Souza, 68, que era garçom em Santa Catarina e foi parar na cracolândia após perder o emprego que veio buscar em São Paulo.

Há algumas semanas os moradores de um condomínio na alameda Helvetia, próximo da cracolândia, filmaram o momento em que um usuário de drogas pulou a grade para pegar os sacos de lixo que estavam no pátio a espera do caminhão de lixo. “Às vezes, o zelador deixa o lixo lá fora para facilitar o trabalho do lixeiro, mas jogaram tudo para fora da cerca, levaram para outro lado da calçada e esparramaram na calçada. Era só resíduo orgânico porque o reciclável temos uma pessoa que vem buscar”, diz a subsíndica Sônia Domingues. “É a terceira vez que isso acontece.”

Para evitar novos furtos, ela conta que os funcionários do condomínio foram orientados a deixar o lixo dentro de um depósito. “Vamos ter que esperar o caminhão de lixo chegar para colocar os sacos para fora”, diz a subsíndica.

Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) informou que mantém desde abril deste ano a operação Centro Limpo que realiza ações diárias de limpeza em diferentes pontos do centro da cidade. Entre abril e agosto, a operação recolheu cerca de 9.500 toneladas de lixo.

MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress

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