BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em meio a críticas por seus primeiros votos no STF (Supremo Tribunal Federal), o posicionamento do ministro Cristiano Zanin sobre o marco temporal tornou-se o novo foco de atenção do governo Lula (PT) e da bancada ruralista.
Às vésperas da retomada do julgamento, que acontece nesta quarta-feira (30), Zanin tem agendas para tratar sobre o tema com Tereza Cristina, senadora e ex-ministra da Agricultura de Jair Bolsonaro (PL), Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, e Jorge Messias, ministro da AGU (Advocacia Geral da União).
O ministro indicado por Lula para o STF recebeu críticas da esquerda após o julgamento para reconhecer a homotransfobia como injúria racial e o voto dele contra a descriminalização das drogas.
No último sábado (26), Zanin se posicionou contra uma ação da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), que entrou no Supremo com uma ação pelo reconhecimento de que os guarani-kaiowá vêm sofrendo violência policial em Mato Grosso do Sul.
O magistrado votou junto com os dois indicados de Bolsonaro no STF, Nunes Marques e André Mendonça. Os três seguiram o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.
A posição do grupo, no entanto, acabou derrotada e a ação foi reconhecida -fato comemorado pela Apib, entidade que já foi dirigida pela hoje ministra Guajajara.
O caso julgado pelo STF, que servirá para montar fixar uma tese de referência para todos os processos similares no país, diz respeito à reinvindicação de terra do povo xokleng em Santa Catarina.
A ideia do marco, defendida por ruralistas, pretende que sejam considerados territórios indígenas aqueles ocupados pelos povos em 1988, na data da promulgação da Constituição Federal -portanto, não reconhecendo o direito aos xokleng.
O movimento indígena argumenta que não pode haver um marco temporal para a demarcação, uma vez que o direito dos povos com relação a elas é anterior inclusive à criação do Estado e que a Constituição fala em “terras indígenas tradicionalmente ocupadas”. Já os defensores do texto, em especial ruralistas, afirmam que a definição trará mais segurança jurídica a indígenas e proprietários rurais.
O marco temporal entrou em debate nas agendas de Zanin com Tereza Cristina e Jorge Messias, nesta segunda-feira (28), e Sonia Guajajara, na manhã de terça (29).
Messias irá apresentar ao ministro do STF a visão da AGU, que advoga em prol da União, sobre a tese.
A AGU tem discordâncias do voto do ministro Alexandre de Moraes, que em seu voto propôs mudanças em relação à indenização que deve ser paga a proprietários de terrenos em locais ocupados tradicionalmente por indígenas.
Moraes apontou que, se não houver esbulho (usurpação da posse), conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição, a União deveria indenizar previamente o proprietário de terra localizada em ocupação tradicional indígena, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária.
A AGU é contra a indenização prévia e também defende que o pagamento não fique a cargo apenas da União, mas seja dividido também com outros entes da federação.
A conversa entre eles, porém, não será reservada e irá tratar também de outras questões de processos que interessam ao governo. Messias, que tem um histórico de relação próxima com Zanin, é um dos cotados para ser indicado ao Supremo na vaga a ser aberta pela aposentadoria da ministra Rosa Weber (em setembro).
Procurado pela Folha de S.Paulo, o STF disse que as agendas são públicas e que Zanin tem recebido partes que têm interesse em ações, para possíveis esclarecimentos e debates que possam contribuir para o julgamento.
O voto de Moraes foi o terceiro do julgamento e não seguiu nem o relator, Edson Fachin, que foi contra o marco, nem o segundo ministro a votar, Kassio Nunes, que se posicionou a favor.
Moraes se posicionou contra a tese do marco, mas abriu brecha para uma série de condicionantes para a demarcação dos territórios, a mais importante delas a indenização para que as terras passem a ser de posse indígena.
O movimento indígena vê o voto de Fachin como o melhor e critica a indenização de territórios, por entender que, na prática, ela inviabilizará ou travará as indenizações. O próprio Ministério dos Povos Indígenas já emitiu notas técnicas contra essa premissa.
Já os ruralistas, da qual Tereza Cristina é um dos expoentes, defendem o marco como instrumento para dar segurança jurídica ao tema, mas vê de forma positiva os precedentes abertos por Moraes.
Na visão deles, esse posicionamento ecoa diversas condicionantes criadas no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, em 2009, que criou o precedente do marco temporal junto a uma série de dispositivos para a exploração das riquezas naturas nos territórios.
COMO JÁ VOTARAM OS MINISTROS DO STF SOBRE O MARCO TEMPORAL
**Edson Fachin, contra**
O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e que, por isso, não deve ser definido por nenhum marco temporal. Lembrou que a Constituição define os direitos indígenas como fundamentais e diz que os povos têm “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”
**Nunes Marques, a favor**
Indicado por Bolsonaro, ele divergiu do relator e afirmou, em seu voto, que o marco cria segurança jurídica para as demarcações. Ele seguiu o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, que instituiu a tese pela primeira vez no Supremo
**Alexandre de Moraes, divergente**
O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas abriu a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras -como no caso da Raposa Serra do Sol-, dentre elas, a indenização de quem ficaria sem a área para que o território fosse delegado aos indígenas
JOÃO GABRIEL, CATIA SEABRA E JOSÉ MARQUES / Folhapress