SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A gente não tem a opção de desistir”, resume a empresária baiana Najara Souza, 41, dona da marca de moda NBlack, que ela abriu após ser discriminada em uma entrevista de emprego. “Disseram que o meu cabelo era inadequado.”
Ao não conseguir a vaga, ela começou a criar roupas até abrir a primeira loja em uma galeria de Salvador. Hoje, com 19 anos de mercado, faz atendimentos online e dá palestras e mentorias sobre afroempreendedorismo.
“Precisei colar os cacos várias vezes até virar empresária no shopping em que não me deixavam ser vendedora. Nem todo mundo vai conseguir chegar, mas a gente pode ajudar instruindo, orientando e, se tiver a oportunidade, levando outras pessoas junto.”
Apesar de avanços, em dez anos, um terço das capitais brasileiras ficou mais desigual em oportunidades para os negros (pretos e pardos) em relação aos brancos, de acordo com o mais recente Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial).
Das 26 capitais mais o Distrito Federal, 17 melhoraram no indicador de equilíbrio racial, de 2012 a 2022. Rio Branco (AC) ficou praticamente estagnada, enquanto 9 delas viram o dado piorar.
Os números vêm de um trabalho dos pesquisadores Alysson Portella, Daniel Duque, Fillipi Nascimento e Michael França (também colunista da Folha).
Em anos anteriores, o índice avaliou estados e regiões brasileiras. É a primeira vez que traz o desempenho com detalhe para as capitais, informação que se torna ainda mais relevante com a proximidade das eleições municipais, com o primeiro turno no próximo dia 6.
O indicador funciona assim: varia de -1 a 1. Quanto mais próximo de -1, maior é a representação dos brancos em relação aos negros. O ponto zero é o de equilíbrio.
No período, Macapá e Salvador representam as duas pontas da desigualdade: enquanto a capital do Amapá é o caso de maior progresso (de -0,14 para -0,02), a cidade baiana foi a que teve maior retrocesso na equidade (de -0,31 para -0,41).
Já São Paulo tinha o pior indicador em 2012, de -0,48. A cidade até avançou nos dez anos seguintes, mas só até o segundo pior lugar em termos de equilíbrio racial no país, agora com -0,39.
O Rio de Janeiro, que em 2012 era a segunda pior capital, em 2022 aparece como a terceira pior, com -0,36.
No dado nacional, o Ifer melhorou de -0,35, em 2012, para -0,31, em 2022, indicando um leve progresso na equidade racial.
O índice principal é composto de indicadores de educação, renda e longevidade.
Em capitais das regiões Norte e Nordeste, o avanço em educação e renda impulsionou positivamente o resultado principal.
Em Macapá, por exemplo, houve melhora de 0,15 ponto no aspecto educacional e de 0,21 ponto no de renda. Um movimento semelhante ocorreu em Palmas (TO), Boa Vista (RR) e Aracaju (SE).
“Em lugares mais desenvolvidos, a gente tende a ter um desequilíbrio maior. A cidade cresce e os moradores negros, que pagam um pedágio durante a vida, tendem a ficar para trás. O estudo em nível estadual que fizemos no passado já mostrava que o maior desequilíbrio era no Sudeste e no Sul”, pondera França.
“Mesmo em cidades ricas, como São Paulo e Rio de Janeiro, falta um olhar não só para a questão racial, mas para a desigualdade como um todo. O Brasil é um país que sempre foi desigual, e políticas universais feitas sem pensar nas particularidades raciais podem não chegar aos mais vulneráveis”, diz Portella.
Na dimensão educacional, apenas dois municípios, Porto Alegre (RS) e Porto Velho (RO), apresentaram piora, dez caíram no quesito renda e 14 cidades apresentaram retrocesso em longevidade.
A piora dos resultados em diversos casos reforça que avanços na questão racial não são uma garantia, e políticas públicas pensadas para enfrentar diretamente o problema são necessárias, dizem os especialistas.
O acesso ao crédito ajuda a reduzir desigualdades, e a população negra historicamente tem mais dificuldades de obter financiamentos lembra Hebe Silva, coordenadora de Administração e Finanças do Baobá (fundo para equidade racial).
“O crédito deve ser visto como investimento social, ligado à educação financeira, para uma população que vê o dinheiro como sobrevivência”, afirma ela.
Na formulação do Ifer são usados microdados da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Para a análise do índice na dimensão educação é usada a variável que indica a conclusão do ensino superior, englobando também os brasileiros com pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado).
Já o indicador de longevidade considera a idade dos participantes na data da pesquisa; o de renda, por sua vez, capta os rendimentos totais, provenientes de todas as fontes, não apenas do trabalho.
Pelos resultados, a longevidade é única área que apresenta uma tendência de piora nos últimos dez anos em nível nacional: o índice passa de -0,12, em 2012, para -0,15, em 2022.
Segundo os pesquisadores, o retrocesso sugere que as condições de vida e os determinantes sociais da saúde que afetam a longevidade não melhoraram para a população negra.
Diferentes fatores, como acesso a médicos, condições de trabalho e questões socioeconômicas mais amplas podem ter contribuído para essa tendência.
Também é possível que o índice tenha sido influenciado por algum efeito secundário da pandemia de Covid-19, que exacerbou desigualdades preexistentes.
“O SUS é fundamental para a redução das desigualdades”, avalia Hilton Silva, da UFPA (Universidade Federal do Pará) e da UnB (Universidade de Brasília).
“O governo federal vem se empenhando, mas há dificuldade em implementar políticas. O racismo ainda é tabu na ponta do atendimento e há dificuldade em percebê-lo como um determinante social de saúde.”
DOUGLAS GAVRAS E TIAGO CARDOSO / Folhapress