SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O romance “Os Superstars da Cadeia” cita a torto e a direito a expressão “neoescravidão” para definir a situação dos encarcerados na trama um cenário em que prisioneiros se tornam espécies de gladiadores modernos, televisionados 24 horas por dia.
Quando o repórter pergunta ao seu autor, Nana Kwame Adjei-Brenyah, se a palavra também se adequaria ao contexto de hoje, ele não demora nem dois segundos para responder que “sim, cem por cento”.
O escritor tem um entendimento particular do conceito de distopia, palavra tentadora para caracterizar seu primeiro romance. Ele até aceita o rótulo, mas com uma condição. “Só se reconhecermos que também há uma distopia acontecendo agora mesmo.”
Adjei-Brenyah virou uma estrela literária com velocidade impressionante. Sua estreia foi a coletânea de contos “Friday Black”, publicada em 2018, e antes de completar 30 anos ele já era um best-seller com críticas se derretendo na imprensa.
Seguiu o sucesso com este “Os Superstars da Cadeia” ou no original mais sonoro, “Chain-Gang All-Stars”, que figurou na lista de dez melhores livros do ano passado do jornal The New York Times e agora chega ao Brasil.
O primeiro livro era uma coleção de histórias nas quais o autor exacerbava os efeitos do racismo ao absurdo para insistir na ideia de que aquilo tinha sementes plausíveis. Por exemplo, um parque temático que permite que brancos atirem contra pessoas de outras raças sem consequências e um júri que considera inocente um homem que corta a cabeça de crianças negras.
Não foi surpresa que sua trama mais longa ressoasse no mesmo tom de fato, Adjei-Brenyah já afirmou que o argumento de “Os Superstars da Cadeia” nasceu de um conto que acabou crescendo demais.
Vamos a ela: num mundo não muito distante, os presídios privados dos Estados Unidos decidem oferecer aos condenados a oportunidade, entre muitas aspas, de assinar contrato para virar um dos tais superstars, arriscando a vida para conseguir fama e liberdade.
Basta que eles e elas se tornem lutadores ao estilo “Jogos Vorazes”, atirados uns contra os outros em arenas para batalhar até a morte. Quanto mais adversários você estraçalha, mais vai subindo de nível e ganhando direito a regalias. Depois de uma média de três anos, está livre para ir. Não é difícil imaginar que pouquíssimos alcançam a façanha.
Loretta Thurwar, uma das protagonistas em um romance que se divide em diversos pontos focais está a dois passos do paraíso, mas justo ali se vê numa sinuca de bico ao entrar em um conflito fatal com seu par romântico, a despojada Hurricane Staxxx.
Tudo isso é acompanhado ao estilo “pay-per-view” do Big Brother Brasil por um público massivo que se rende ao mais novo entretenimento da nação. Há pequenos drones acompanhando cada passo dos lutadores e, pagando um pouco a mais, você entra até na banheira onde seu participante favorito está passando sabonete.
Direito à privacidade é conto da carochinha para essas personagens, o que traz de volta a discussão sobre o quanto essa realidade é distante da nossa pense nos relatos de violações de direitos humanos básicos que aparecem no noticiário sobre cadeias superlotadas.
“O que eu faço é uma pintura mais clara do que já está acontecendo”, diz o americano Adjei-Brenyah, um jovem descendente de ganeses com ar boa praça, afirmando que seu projeto literário se baseia em limar os eufemismos e as convenções que escondem a verdade mais crua.
“O elemento mais surreal do meu romance não é a luta até a morte, mas o complexo industrial de prisões. Eu retiro esse véu para que possamos ver a violência em grande escala que já está acontecendo ali dentro.”
O escritor se alinha ao ideal de abolicionismo do sistema carcerário que tem uma de suas principais representantes, por exemplo, em Angela Davis definindo sem rodeios as prisões como abominações.
“Elas funcionam, institucionalmente, como um armário para jogar as coisas sujas em vez de organizar a casa. Você não investe seu tempo e dinheiro em limpar aquilo direito, só atira tudo ali e quando abre a porta, tudo explode.”
O primeiro passo para uma alternativa está em lugares que “não sejam apenas jaulas”, capazes de lidar com sensibilidade com encarcerados que sofrem, por exemplo, de problemas de saúde mental.
“Não podemos abolir as prisões amanhã, claro, mas é preciso ir construindo instituições que sabem que o crime muitas vezes vem da fome e da falta de recursos”, diz. “É preciso entender que as pessoas têm capacidade para o bem, que fazem coisas duras quando são moldadas pela dureza.”
As prisões privatizadas, então, são inadmissíveis para ele. “São empresas que lucram com o crime. Pense, você não teria uma empresa em um determinado ramo se não acreditasse no seu crescimento. Se o único jeito de ganhar mais dinheiro é ter mais encarcerados, as pessoas se tornam commodities, e isso infecta a sociedade.”
Só num espaço como esse, sugere o romance, poderia brotar a perversidade de um reality show em que o público se refestela com a carnificina cometida entre pessoas sem perspectivas.
Numa de suas cenas mais afiadas, uma espectadora jovem e progressista comenta com o namorado que ela era totalmente contra a existência daquele programa, mas sintonizava todos os dias “criticamente”, afinal precisava saber o que todo mundo está vendo.
“Nós assistimos aos reality shows pelas mesmas razões que nos atraem em qualquer história”, aponta o autor. Elas mobilizam todo tipo de emoção, do ódio à compaixão, da doçura ao desprezo.
“Mas a violência é mais fácil de vender. Para saber por que alguém está chorando, eu preciso me interessar em conhecer melhor aquela pessoa. Mas se duas pessoas estão brigando, aí estou interessado na hora.”
OS SUPERSTARS DA CADEIA
Quando Lançamento em 16/4
Preço R$ 109,90 (472 págs.); R$ 76,90 (ebook)
Autoria Nana Kwame Adjei-Brenyah
Editora Fósforo
Tradução Rogerio Galindo
WALTER PORTO / Folhapress