Distúrbios psíquicos não afastam motivação política em atentados de lobos solitários

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Lobos solitários, como são chamados os autores que organizam e praticam individualmente atentados violentos, costumam ter problemas de saúde mental, mas o quadro não afasta motivações complexas para seus crimes, como as políticas.

Análises do FBI (Departamento Federal de Investigação), dos Estados Unidos, órgão com larga experiência no combate ao terrorismo doméstico, e de pesquisadores dedicados ao tema indicam que distúrbios psiquiátricos são fatores de risco para atentados de lobos solitários, mas ocorrem simultaneamente à radicalização ideológica dos autores.

Desde a noite de quarta-feira (13), quando o chaveiro Francisco Wanderley Luiz, 59, se explodiu em frente ao STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados têm buscado disseminar a narrativa de que esse foi um “fato isolado”, perpetrado por alguém que tinha perturbações mentais.

“É uma tábua de salvação do Bolsonaro e do bolsonarismo, que projetam uma dimensão que eu chamo de patologizante, retirando a dimensão política do ato”, afirma Odilon Caldeira Neto, coordenador do Observatório da Extrema Direita e professor na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).

Ele diz que os conteúdos que Francisco disseminava nas redes sociais, assim como a escolha do alvo, deixam clara a dimensão política do ato.

Antes do ataque desta quarta, o chaveiro publicou uma série de mensagens sobre o atentado, misturando declarações de base política e religiosa, com críticas ao STF, à Polícia Federal e à política institucional.

Francisco, que foi candidato a vereador pelo PL em 2020 em Rio do Sul (SC), também citou o ex-presidente norte-americano Donald Trump, fez alusão ao termo “storm”, amplamente utilizado pelo grupo conspiracionista QAnon, e mencionou as crianças da Ilha de Marajó, pauta explorada recentemente pela direita bolsonarista, que denuncia supostos abusos sexuais ali.

“A gente vê uma ligação com um conspiracionismo mais duro, que em alguma medida pode ultrapassar o cenário bolsonarista. Ele [Francisco] trata sobre urnas eletrônicas, anticomunismo, e chega na via anti-institucional por um discurso antissistema”, diz Caldeira Neto.

“A base de formação intelectual denota, para além de questões psíquicas, que podem sim fazer parte, que há um senso de comunidade. Que ele se formou politicamente em determinados meios e que agiu politicamente. Ele estava presente em momentos da tentativa de golpe [de 2022] e ele mesmo se lançou como vereador na sua cidade.”

A ex-mulher de Francisco afirmou à Polícia Federal que seu plano era matar o ministro do STF Alexandre de Moraes e que ele fazia buscas no Google para viabilizar o crime. De acordo com ela, o ex-marido participou de protestos golpistas após a derrota de Jair Bolsonaro.

Um estudo do FBI a respeito de 52 ataques de lobos solitários desde 1972 indica a simultaneidade entre problemas psíquicos e motivações políticas. Segundo a análise, 25% dos autores já haviam sido diagnosticados com um distúrbio psiquiátrico antes do atentado, e 13% foram depois. Em outros 38% dos casos, pessoas próximas ao infrator suspeitavam que ele enfrentasse algum problema de saúde mental.

Ao mesmo tempo, o relatório do órgão identificou que os autores haviam se radicalizado, aceitando o uso de violência em prol de alguma ideologia. A mais comum, correspondente a 25% dos casos estudados, foi o extremismo violento antigovernamental.

Infratores nesse grupo aderiram a uma série de ideias, como a concepção de que o governo da época era corrupto. Alguns, por exemplo, acreditavam numa conspiração global que extirpava os direitos dos cidadãos.

O tipo de atentado mais comum (17% dos casos) foi direcionado a instalações do governo federal ou seus funcionários, e 73% dos lobos solitários escolheram o alvo por ser fundamental para seu objetivo ou ideologia. Armas (67%) e explosivos (27%) foram os meios de ataque mais utilizados.

Publicado em 2015, outro estudo financiado pelo governo norte-americano, dos professores Mark Hamm e Ramón Spaaij, especialistas em terrorismo, se debruçou sobre 98 atentados de lobos solitários no país entre 1940 e 2013.

“Tanto para os lobos solitários quanto para os terroristas organizados, a violência é considerada a única alternativa para um sistema injusto”, escreveram.

Eles concluíram que havia um padrão para esse tipo de atentado. A radicalização dos autores tinha início com queixas de cunho pessoal e político (em 80% dos casos), que alimentavam a afinidade com algum grupo extremista —processo facilitado nas últimas décadas pela internet e redes sociais.

Então surgia alguma pessoa que atuava como facilitadora, fosse direta (alguém que o ajudasse a planejar o ataque) ou indireta (que servisse de inspiração para o ato). Em seguida, antes do atentado, era comum que o infrator comunicasse publicamente suas intenções (foi assim em 76% dos casos depois de 2001).

Nas mensagens publicadas antes do ato, Wanderley fez menções a bombas que a Polícia Federal precisaria desarmar e disse que “soltou uns foguetinhos para comemorar o dia 13”.

O FBI insere a atuação de lobos solitários no escopo do terrorismo doméstico, definido pelo Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos como um ato perigoso para a vida humana ou com potencial de destruir infraestrutura ou recursos fundamentais.

O aparente objetivo desse tipo de atentado é coagir civis, influenciar a política de um governo por intimidação ou afetar sua conduta por meio da destruição em massa, assassinato ou sequestro.

As explosões perpetradas por Francisco estão sendo investigadas pela Polícia Federal como um ato de terrorismo. A lei que trata do tema, porém, sancionada em 2016 pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), excluiu as razões políticas do rol de motivações que definem esse crime.

Isso porque, à época, congressistas de esquerda e militantes se articularam para que a proposta não incluísse o termo, sob o temor de que a legislação pudesse ser utilizada para criminalizar protestos legítimos de movimentos sociais.

ANA LUIZA ALBUQUERQUE / Folhapress

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