SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O envolvimento do bilionário Elon Musk na Guerra da Ucrânia, com o polêmico fornecimento de internet via satélite do sistema Starlink a Kiev, ganho um novo e insólito capítulo neste fim de semana.
O ditador da Tchetchênia, Ramzan Kadirov, agradeceu publicamente a Musk pelo recebimento de um Cybertruck, uma picape futurista da Tesla, a fabricante de carros elétricos do empresário americano nascido na África do Sul.
Em um vídeo postado no Telegram no sábado (17), Kadirov aparece dirigindo o carro no centro de Grozni, a capital tchetchena, e operando uma metralhadora instalada na caçamba do veículo..
“Expresso minha sincera gratidão a Elon Musk! Ele é o gênio mais forte do nosso tempo. Elon, obrigado! Venha para Grozni, eu o receberei como um convidado querido! Não creio que o Ministério das Relações Exteriores da Rússia seja contrário a tal viagem”, disse.
Musk reagiu no próprio sábado, escrevendo no X, a rede social que era conhecida como Twitter comprada por ele em 2022, ano em que Vladimir Putin invadiu a Ucrânia.
“Vocês são tão retardados para achar que eu doei um Cybertruck para um general russo? Isso é incrível”, disse, em seu usual estilo o resto do fim de semana foi dedicado a pedir a cabeça do ministro Alexandre de Moraes (Supremo), comparado ao vilão da série Harry Potter Voldemort, pelo fechamento do escritório do X no Brasil.
Ele acusou a mídia de inventar a história, ignorando que quem divulgou o vídeo foi o próprio Kadirov, e depois sugeriu brincando que ele havia sido feito com inteligência artificial.
Apesar das sanções ocidentais à Rússia devido à guerra, veículos ainda chegam ao país por meios indiretos, passando por outros países. Kadirov tem uma forte conexão com as monarquias do golfo Pérsico, particularmente os Emirados Árabes Unidos, o que dá uma pista de um caminho possível para o Cybertruck chegar a Grozni.
Recentemente, Kadirov postou imagens de uma frota nova em folha de picapes americanas Ram operadas por forças de segurança da república. Ninguém diz de onde elas vieram. Em relação ao Cybertruck, veículo que nos Estados Unidos custa cerca de US$ 100 mil (R$ 546 mil) na versão topo de linha, o ditador foi só elogios.
“Não é por acaso que ele é chamado de Cyberbesta [nome do modelo mais caro]. Um verdadeiro animal, invulnerável e rápido. Com base nessas excelentes características, o Cybertruck será em breve enviado para a operação militar especial, onde trará muitos benefícios aos nossos soldados”, disse, usando o nome oficial da guerra na Rússia.
Kadirov, 47, está no poder desde 2007. Ele substituiu o pai, Akhmat Kadirov, morto em um atentado em 2004, como o nome do Kremlin para a turbulenta república de maioria muçulmana. Após o fim da União Soviética, a Tchetchênia virou sinônimo de separatismo na Rússia.
De 1994 a 1996, Moscou foi humilhada em uma guerra contra os rebeldes, e o status da república ficou em suspenso. Em 1999, um Putin recém-chegado ao cargo de premiê ganhou carta-branca para retomar a guerra da forma violenta e definitiva, instalando Kadirov pai como um ditador aliado.
O filho consolidou ainda mais o poder, de forma brutal e personalíssima: praticamente tudo o que importa em Grozni tem o nome de seu pai. Muçulmano sunita moderado, reprimiu os focos de insurgência radical, mas não só: ativistas de direitos humanos e LGBTQIA+ são alvos constantes na república.
Kadirov virou um operador de Putin junto ao golfo, de onde trouxe investimentos pesados. De cidade arrasada, Grozni foi reconstruída e ganhou um algo bizarro centro conhecido como “pequena Dubai”, com arranha-céus espelhados emergindo entre blocos de estilo soviético.
Na Copa de 2018, o ditador marcou um gol ao trazer o Egito da então sensação Mohamed Salah para ficar concentrado na capital, que não recebeu jogos. Foi uma festa, mas durou pouco: os egípcios perderam os três jogos da fase de grupos e voltaram para casa.
Na atual guerra, os tchetchenos participaram de algumas ações famosas, como o cerco a Mariupol. A fama de soldados ferozes foi algo arranhada, mas unidades do chamado Batalhão Akhmat, claro, estão neste momento lutando contra a invasão ucraniana da região russa de Kursk. Politicamente, nada indica perda de influência do ditador.
Já o papel de Musk no conflito foi o fornecimento do Starlink, mas não sem polêmicas: o bilionário não permitiu o uso de seus satélites para coordenar um ataque à Crimeia, temendo uma escalada nuclear do conflito, o que levou ao debate sobre o controle privado de comunicações militares de um país em guerra.
IGOR GIELOW / Folhapress