BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – A minguada presença de líderes globais deu o termômetro do momento que vive Nicolás Maduro em sua terceira posse, realizada nesta sexta-feira (10). Mais isolado do que nunca, o ditador se sustenta nos tentáculos do regime, mas vê diminuir o respaldo internacional.
Diferentemente de sua última investidura, em 2019, sob contestação, mas feita na sequência de uma eleição boicotada pela oposição, desta vez Maduro se aferra ao poder depois de um pleito apontado como fraudado e no qual parte da Venezuela e boa parte da comunidade internacional dizem que Edmundo González foi o verdadeiro vencedor.
No poder desde 2013, o ditador foi empossado no Palácio Federal Legislativo, em Caracas, para mais seis anos no poder, até 2031. A cerimônia foi liderada pelo presidente do Parlamento unicameral, o aliado de primeira hora do regime Jorge Rodríguez, que saudou um a um, e com pompa, os principais líderes do chavismo.
“Para os traidores da pátria, digo-lhes: nós somos os redatores dessa Constituição; ela nasceu apesar de vocês, oligarcas, e cumpriremos a Constituição”, disse Maduro em seu discurso, sob aplausos. Depois, voltou a dizer que dará início a uma reforma constitucional.
A cerimônia sucedeu uma quinta-feira confusa em Caracas. Após mais de três meses sem aparecer em público, a líder opositora María Corina Machado foi às ruas se somar a um ato da oposição e depois afirmou ter sido detida pelo regime e liberada.
Um vídeo seu dizendo estar bem circulou neste ínterim, despertando dúvidas sobre a veracidade do conteúdo. Posteriormente, aliados da opositora disseram que ela foi obrigada a gravar conteúdos. O procurador-geral do país, Tarek William Saab, negou à Folha que tenha havido detenção, e outras autoridades disseram o mesmo.
Desde as eleições de 28 de julho passado, o regime não publicou, como determina a lei, as atas eleitorais que podem comprovar os números da eleição. Com sua cúpula alinhada ao chavismo, o órgão eleitoral local disse que Maduro foi eleito com 52% dos votos. O Supremo chancelou o processo e tampouco exigiu a divulgação das atas.
Com documentos que colheu junto às suas testemunhas de votação, a principal coalizão opositora afirma que o ex-diplomata Edmundo González venceu com mais de 60% dos votos. O Centro Carter, único observador internacional independente de peso no pleito, também diz que González foi o escolhido nas urnas.
O regime diz se tratar de um plano internacional para derrubá-lo. “A extrema direita global, liderada por um nazissionista, um sádico social chamado Javier Milei, junto ao império norte-americano, crê que pode impor à Venezuela um presidente”, disse Maduro, referindo-se ao presidente da Argentina, hoje seu principal rival na América do Sul.
Seis opositores venezuelanos vivem asilados na embaixada argentina em Caracas, sede hoje sob os cuidados do Brasil, há dez meses. E um policial argentino está detido no país, acusado pelo regime de associação com atividades terroristas.
Exilado em Madri, Edmundo González afirmava que iria à Venezuela para ele, sim, ser empossado. Era uma declaração vista como fantasiosa por muitos. Até a tarde desta sexta (10), não havia informações sobre movimentações do opositor, que estaria na República Dominicana, como parte de um giro por países da América Latina.
O ministro do Interior, Diosdado Cabello, um dos personagens de maior poder no país, diz que havia um plano para que González tomasse posse no exterior, possivelmente em alguma embaixada, e que Enrique Márquez, um ex-candidato presidencial mais moderado que nesta semana foi preso, buscava apoiá-lo ao supostamente roubar documentos do órgão eleitoral para ajudar no plano.
Em sua fala, Maduro afirmou que eleições para a Assembleia Nacional e para governos e prefeituras serão convocadas em breve. É incerto se os pleitos regionais contarão com participação da oposição. Antichavistas até aqui desconversavam sobre o tema, abrindo dúvidas de se haverá boicote. E mesmo sobre se o regime abrirá portas para a dissidência.
Governos que antes tinham tom moderado em relação à ditadura subiram, um a um, o tom nos últimos dias e meses.
O recado mais expressivo ficou por conta da Colômbia de Gustavo Petro. Nas últimas horas desta quinta-feira (9), seu chanceler divulgou vídeo de cerca de 4 minutos no qual disse que Caracas tem violado direitos humanos e que o processo eleitoral não respeitou o rito democrático, mas que não romperá relações diplomáticas.
Também o chileno Gabriel Boric voltou a expressar críticas após nesta semana retirar de Caracas o embaixador que havia enviado em 2023 na tentativa de resgatar laços rompidos na gestão que o antecedeu.
“Sou uma pessoa de esquerda, e neste lugar digo a vocês: o governo de Maduro na Venezuela é uma ditadura”, afirmou o presidente, que neste ano deve deixar o cargo (o Chile veta reeleições consecutivas).
Nem aliados de Maduro, como o boliviano Luis Arce, compareceram, mas tiveram representantes. A China enviou Wang Dongming, vice-presidente do Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo. A Rússia, Viacheslav Volodin, presidente da Câmara baixa do Parlamento.
A ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua disse inicialmente que enviaria uma delegação de 16 pessoas; no final, o próprio líder do regime compareceu. De Cuba, a figura de maior peso: o dirigente Miguel Díaz-Canel, que desembarcou no país na manhã desta sexta.
O Brasil enviou sua embaixadora, Glivânia Oliveira, a diplomata que sob o governo Lula 3 foi a responsável por tentar reconstruir pontes diplomáticas após o rompimento sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Ao menos por ora, Brasília não planeja emitir comentários sobre a escalada da repressão na Venezuela. Sob reserva, interlocutores dizem que o objetivo do governo é manter “baixo perfil” para não fechar canais de diálogo. Reconhecer Maduro como eleito não é uma opção, e o mesmo vale para Edmundo González.
Do Brasil, estiveram presentes uma delegação do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e um grupo de dirigentes do PT (Partido dos Trabalhadores), a legenda do presidente Lula.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress