BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A dívida bruta do Brasil pode atingir um pico de 83,1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2028, caso o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não consiga aprovar medidas adicionais de arrecadação, prevê o Tesouro Nacional.
A projeção foi divulgada nesta segunda-feira (16) no Relatório de Projeções Fiscais. O documento indica que a DBGG (dívida bruta do governo geral) deve fechar 2024 em 77,7% do PIB e seguir uma trajetória de expansão contínua nos quatro exercícios seguintes.
O quadro traçado pelo governo, porém, pode ser até otimista. Os cálculos oficiais foram feitos tendo como premissa parâmetros indicados pela SPE (Secretaria de Política Econômica) que já estão distantes do cenário mais provável na realidade.
A taxa básica de juros, a Selic, por exemplo, foi prevista em 10,7% ao ano na média de 2025. O Banco Central, porém, subiu a taxa para 12,25% na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) e acenou com mais dois aumentos de um ponto percentual.
Com uma Selic contratada em pelo menos 14,25% ao ano no início de 2025, a mediana do mercado vê a taxa básica estacionada em 14% até o fim do ano que vem, segundo o Boletim Focus.
Como metade dos títulos da dívida pública federal é atrelada à Selic, uma taxa mais elevada impulsiona o custo de financiamento da União e, consequentemente, seu endividamento. Os juros dos demais títulos, prefixados ou atrelados à inflação, também costumam acompanhar esse movimento.
Nas contas do mercado, a DBGG deve encerrar o ano em 78,3% do PIB, alcançar 84,95% do PIB em 2026, último ano do atual mandato de Lula, e seguir subindo até atingir 93,15% do PIB em 2033. O crescimento da dívida pública é um dos fatores que alimentam o pessimismo do mercado financeiro com a política fiscal.
Técnicos do governo ponderam, por outro lado, que os parâmetros da SPE não consideraram a recente revisão positiva feita no PIB, que contribui no sentido de reduzir a relação de endividamento.
A projeção do Tesouro considera apenas medidas de arrecadação já aprovadas para o ano que vem, como a retomada do voto de desempate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), transações tributárias e o controle de benefícios tributários. Elas devem reforçar o caixa do governo em R$ 121,5 bilhões no ano que vem.
O chamado “cenário inicial”, no entanto, exclui as receitas projetadas com a elevação do Imposto de Renda sobre o JCP (juro sobre capital próprio), o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) e a compensação da desoneração da folha de salários. O governo prevê arrecadar R$ 46,7 bilhões com as três medidas.
Essas receitas foram incluídas no PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2025, mas os projetos ainda não foram aprovados pelo Congresso Nacional. Mudanças no IR precisam ter aval ainda este ano para poderem valer em 2025 -o que é considerado improvável, já que esta é a última semana de votações. Já o aumento na CSLL requer uma antecedência menor, de 90 dias.
Caso o governo consiga preencher os R$ 46,7 bilhões necessários, a trajetória da DBGG será mais benigna.
No chamado “cenário de referência”, em que o governo projeta o cumprimento das metas fiscais já sinalizadas até 2028, o endividamento teria o seu pico em 2027, em 81,8% do PIB. Depois disso, cairia gradualmente, alcançando 80,5% do PIB em 2030.
Para alcançar as metas, porém, o Executivo precisaria reforçar a arrecadação não só em 2025, mas também nos anos seguintes. Em 2026, o esforço adicional precisaria ser de 0,7% do PIB, algo em torno de R$ 93 bilhões. Em 2027, o valor necessário seria de 0,8% do PIB, o equivalente a R$ 114 bilhões. Já em 2028, as medidas precisariam render 0,9% do PIB, ou R$ 138 bilhões.
“O esforço fiscal poderia ser alcançado a partir de uma combinação de várias medidas, como medidas adicionais de receita, revisões de gastos, redução das vinculações entre despesas e receitas, execução da despesa abaixo do limite financeiro (empoçamento), medidas de contingenciamento, entre outras”, diz o Tesouro no relatório.
Segundo o órgão, o contingenciamento de despesas, instrumento usado para congelar gastos em caso de frustração de receitas, poderia contribuir com 0,3 ponto percentual do esforço necessário para cumprir as metas.
Em qualquer um dos cenários, as projeções de endividamento divulgadas pelo Tesouro colocam o Brasil acima de um patamar que a própria equipe econômica, no início da gestão, dizia estar afastado.
“Se nada for feito, ela poderia chegar [a 80% do PIB], mas esse cenário não vai acontecer”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em sua primeira entrevista no cargo, concedida à Folha de S.Paulo em janeiro de 2023.
De lá para cá, o governo regularizou o pagamento de sentenças judiciais represadas pela gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o que contribuiu para a elevação da dívida, mas também ampliou despesas obrigatórias e pactuou a exclusão de gastos da meta de resultado primário -que, mesmo fora da conta, impactam o endividamento do país.
Nas estatísticas do Banco Central, a única vez em que a dívida bruta ficou acima de 80% do PIB foi durante a pandemia de Covid-19.
A escalada da dívida para o patamar acima de 80% já foi considerada no passado, em estudos do próprio Tesouro, como insustentável para um país com as características do Brasil. A volta do grau de investimentos pelas agências de classificação de risco, que o Brasil perdeu durante o governo Dilma Rousseff (PT), também fica mais distante.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress