SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A possibilidade de alta na tributação de heranças e doações prevista na reforma tributária aumentou a procura por formas mais sofisticadas de planejamento sucessório.
Há também instrumentos mais simples que podem ajudar a manter a renda da família durante o período de inventário e reduzir a tributação final sobre o patrimônio.
Especialistas apontam, porém, para o risco no uso abusivo de alternativas para transmissão de patrimônio com objetivo único de fugir do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação).
Os recursos recebidos do seguro de vida, por exemplo, ficam fora do inventário e não são tributados com o imposto de transmissão. Por isso, podem ajudar na manutenção do gasto familiar, nas despesas cartoriais e no pagamento do próprio ITCMD sobre o restante do patrimônio.
O contribuinte também pode optar por pequenas doações anuais, dentro dos limites de isenção previstos nas leis estaduais. Em São Paulo, há isenção para doações de até 2.500 Ufesps (R$ 88,4 mil em 2024) por ano, do mesmo doador para o mesmo donatário.
Nos estados em que doações são menos tributadas do que heranças, como Alagoas, Bahia e Mato Grosso do Sul, essa pode ser uma forma de fazer a transmissão pagando menos imposto.
Esse cenário, no entanto, pode mudar em breve. A reforma tributária prevê que o ITCMD deverá se tornar progressivo em todos os estados, com uma tributação por faixas de renda. Com isso, algumas pessoas devem pagar mais, porém outras serão desoneradas.
Nenhum estado apresentou até o momento projeto nesse sentido, portanto não é possível saber ainda quem será beneficiado. Qualquer iniciativa precisa primeiro ser aprovada nas assembleias legislativas locais e só pode entrar em vigor no ano seguinte.
Em São Paulo, já há um projeto que beneficia quem tem patrimônio de até R$ 3,4 milhões. Caso seja aprovado, é possível que alguns contribuintes optem por antecipar doações para fazê-las com a alíquota atual de 4%. As novas podem chegar a 8%.
Na antecipação é necessário considerar também os custos cartoriais, especialmente na transmissão de patrimônio sem liquidez, como imóveis.
Outra opção citada por especialistas são os fundos de previdência complementar. Nesse caso, há um debate no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a incidência ou não do imposto.
Atualmente, alguns estados realizam a tributação sobre alguns produtos. O TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), por exemplo, concluiu pela constitucionalidade do ITCMD sobre fundos PGBL, por sua característica de aplicação financeira, mas manteve a isenção do VGBL, visto como um seguro.
Em São Paulo, há isenção para os dois produtos, desde que não fique caracterizado o uso apenas com objetivo sucessório.
Michel Siqueira Batista, sócio do Vieira Rezende Advogados, cita o exemplo de uma pessoa em idade avançada que faz um aporte de praticamente todos os seus recursos e um plano de previdência complementar, o que pode ser caracterizado como planejamento tributário abusivo pela receita estadual.
“Neste momento em que as alternativas de planejamento estão sendo reduzidas, as que sobrarem tendem a ser superexploradas, mas isso tem de ser feito com cuidado. O próprio STF já estabeleceu que em situações abusivas envolvendo previdência privada ela pode ser desconsiderada pelos estados”, afirma o advogado citando também precedentes nos tribunais regionais.
A Fenaprevi (Federação Nacional de Previdência Privada e Vida) diz que a proteção do cliente e sua família requer a combinação de diferentes estratégias e, no caso específico de planos de previdência privada e seguro de vida, o aspecto tributário não deve ser o vetor principal da decisão.
Segundo a federação, diferentemente dos produtos financeiros, a proteção previdenciária e securitária se apresenta como instrumento para imprevistos financeiros, complemento da renda do titular e segurança para os descendentes.
“No caso de descendentes, os valores acumulados são pagos aos beneficiários indicados por direito de crédito decorrente da natureza jurídica similar à securitária e não por serem herança ou estarem sujeitos à sucessão patrimonial.”
Gustavo Rajão, especialista em planejamento sucessório e sócio do escritório PLC Advogados, afirma que muitas pessoas enfrentam dificuldades quando se deparam com a impossibilidade de acessar recursos para manutenção dos seus gastos, além daqueles gerados pelo inventário, logo após o falecimento de um familiar.
Nesse caso, seguros e fundos VGBL podem ser alternativas para dar liquidez a essas pessoas, desde que não sejam usados com o único objetivo de fugir do imposto. Até mesmo a manutenção de uma conta conjunta pode se mostrar importante nesses momentos.
“A gente tem de entender qual é o custo mensal, aquilo que a família depende dele [de cujus], para ter disponível em aplicações financeiras, em conta, recursos suficientes para, aliado a seguro de vida, ter um a liquidez mais imediata”, afirma Rajão.
Alternativas envolvendo a transferência de participação em empresas e de imóveis também podem demandar mais tempo para que seja possível fazer a transmissão sem que se configure um planejamento abusivo.
No caso das empresas, a transmissão pode ocorrer por meio do uso de distribuição desproporcional de dividendos, para que os herdeiros tenham uma renda que justifique a aquisição de participações maiores no negócio da família.
No caso de imóveis, o contribuinte também deve ficar atento à questão do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Ele é devido quando a transferência do bem é onerosa, ou seja, há uma venda.
Doações e heranças são isentas desse imposto municipal, mas tributadas com o ITCMD estadual.
Caso haja transferência do imóvel para uma empresa familiar com objetivo imobiliário, também há cobrança de ITBI. O mesmo pode ocorrer nas negociações de imóveis entre herdeiros após o inventário, mesmo que já tenha sido pago ITCMD.
Em todos os casos, os herdeiros ainda devem ficar atentos aos custos cartoriais de inventário, registro de imóveis e escritura de doação.
Redação / Folhapress