Documentário celebra baiano Edy Star, pioneiro na arte e na sexualidade

SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – Aos 86 anos —velho, mas não obsoleto, como se define—, o elétrico Edy Star demonstrava um inquebrantável alto astral para confraternizar com quem quer que se aproximasse dele na pré-estreia do documentário “Antes que me Esqueçam, Meu Nome é Edy Star”, realizada no Cine Glauber Rocha, em Salvador.

Multiartista que transitou do submundo ao mainstream com grande naturalidade, Edy Star diz ser o primeiro nome da música brasileira a assumir-se gay.

“Ele já era multimídia antes desse termo existir, já fazia coisas como artista plástico, cantor, dançarino, performer”, diz o diretor Fernando Moraes, que descobriu durante as filmagens que tem parentesco com Edy Star. “E viado”, acrescentou Edy às próprias qualidades, interrompendo o diretor e divertindo o público antes da sessão.

No filme, o baiano Edy Star mostra com desenvoltura seu início nas artes e nos guetos homossexuais da Salvador do início dos anos 1960. Na porta de um antigo “castelo” —espécie de motel para o público gay—, onde hoje ironicamente funciona uma associação voltada para a terceira idade, Edy se reencontra com a “portinha da felicidade”, que separava a rua do “paraíso”.

“Para mim ele é um pioneiro e um libertador”, disse Caetano Veloso no documentário. Em 1959, quando era funcionário da Petrobras, Edy foi passar um fim de semana em Santo Amaro. Da rua, observou um adolescente tocando piano em casa. Era Caetano, que viu pela janela que estava sendo observado e convidou Edy para entrar.

Quatro anos depois, aquela amizade instantânea foi decisiva para os rumos da cultura brasileira, quando Edy Star sugeriu ao produtor Roberto Sant’Ana que fosse à galeria Bazarte conhecer um “casal de Santo Amaro”. Eram Caetano e Bethânia, que em seguida conheceram Gilberto Gil graças a Sant’Ana.

O documentário mostra também que, depois de muitas décadas, Edy Star foi enfim creditado como coautor da música “Procissão”, gravada por Gil em 1967. Em 1973, Gil lançou “Edith Cooper”, canção em homenagem a Edy e que, no título, comparava-o a Alice Cooper.

Edy Star é o último remanescente da Sociedade da Grã-Ordem Kavernista, grupo que formou ao lado de Raul Seixas, Sérgio Sampaio e Miriam Batucada, e que lançou seu único e cultuado disco, “Sessão das 10”, em 1971.

O único momento do filme em que Edy fica impaciente é quando está na frente do Cine Roma, em Salvador, berço de Raul Seixas, Waldir Serrão e do próprio Edy no rock’n’roll. Na telona, ele reclama do atual culto a Raul dizendo que, quando estava no ostracismo, apenas Marcelo Nova lhe estendeu a mão.

Nos tempos do Largo de Roma, era chamado de Edy Bofélia e tinha fama de brigão. “É viado valente, queria dar porrada em todo mundo aqui no Cinema Roma”, disse Waldir Serrão no filme.

No Rio de Janeiro, Edy Star se apresentou com tanto destaque na barra pesada dos cabarés da zona portuária que acabou catapultado para o sucesso nas boates chiques da zona sul.

O documentário é entrecortado por ensaios e gravações de Edy Star com Zeca Baleiro, outro nome da música brasileira que virou seu amigo. A parceria resultou no disco “Cabaré Star”.

Muitas das incontáveis conquistas amorosas de Edy Star estão registradas em fotografias eróticas exibidas de soslaio no filme. “Eu tenho meu arquivo secreto também. Você não sabe o que tem na minha bat-caverna”, disse Edy na pré-estreia. “Que nem Orson Welles, eu só peço desculpa porque é tudo verdade”, completou.

“Edy para mim é o puro suco da transgressão, da ousadia e da liberdade”, diz a roteirista Carollini Assis. “Acho que ele foi um dos poucos artistas independentes do Brasil que documentou a si mesmo. E o acervo fica rico, complexo, porque retrata um recorte de época do Brasil e principalmente da comunidade artística LGBTQIAPN+”, completa.

“Eu continuo uma bicha maluca”, garante Edy Star. “Com 86 anos, dançando balé e fazendo três horas de show no palco”, diz.

No filme, Edy conta que já registrou em cartório que, após sua morte, quer que seu rico acervo seja incinerado. Também deseja ser cremado após a morte, e que as cinzas cheguem ao rio São Francisco —que banha Juazeiro, no norte da Bahia, sua cidade natal— de modo sui generis: levadas pela descarga da privada.

“Depois de duas tentativas de suicídio e um câncer, minha filha, tudo é lucro: eu tô no bônus track”, decretou Edy Star, em pleno entusiasmo.

LUCAS FRÓES / Folhapress

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