FOLHAPRESS – Em 2009, Maria Clara Vergueiro, uma das netas do crítico literário e professor Antonio Candido, resolveu gravar em vídeo conversas dela com o avô. Foram quatro almoços, além de papos descontraídos na sala de um dos nomes de maior projeção da intelectualidade brasileira do século 20.
Essas conversas são a essência de “O Avô na Sala de Estar: a Prosa Leve de Antonio Candido”, documentário dirigido por Fabiana Werneck e Marcelo Machado, que entrou recentemente para o catálogo do Sesc Digital.
É o segundo filme a respeito do autor de “Formação da Literatura Brasileira” (1959) e “O Discurso e a Cidade” (1993) que chega ao público neste ano.
Em setembro, estreou nos cinemas “Antonio Candido, Anotações Finais”, documentário de Eduardo Escorel que compõe um retrato do crítico a partir de escritos deixados por ele em seus últimos anos de vida morreu em 2017, aos 98 anos.
“Anotações Finais” trata da vida familiar, da literatura, da derrocada do governo de Dilma Rousseff e da proximidade da morte, entre vários outros temas. “O Avô na Sala de Estar” não evita a política, tema sempre caro a Antonio Candido. À mesa no apartamento nos Jardins, em São Paulo, ele diz ter “temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas”.
O que prevalece, porém, nesse documentário de apenas 45 minutos são as reminiscências da infância e da juventude, conduzidas com uma leveza que não se confunde com superficialidade.
Muito à vontade ao lado da neta, como se esquecesse de que havia uma câmera diante dele, o professor fala da cultura caipira que o guiou pela vida afora.
Canta “Boi Amarelinho”, que já foi interpretada pela dupla Tonico e Tinoco e por Inezita Barroso. Da moda de viola, salta para “Les Cerises du Voisin” (As Cerejas do Vizinho), uma tradicional canção francesa. Neste momento, demonstrando certa incredulidade em relação à sua própria formação, exclama: “Olha minha educação, Santa Rita e Paris”.
Ao falar em Santa Rita, Antonio Candido se refere a Cássia, no sul de Minas Gerais –Santa Rita de Cássia era o antigo nome da cidade. Na verdade, a também mineira Poços de Caldas, para onde se mudou mais tarde, é a terra de suas memórias mais duradouras.
Aliás, filmagens da casa que a família mantinha em Poços e fotos antigas se sucedem em meio às conversas do avô com a neta.
Ele conta a Maria Clara sobre um episódio ocorrido poucos anos depois de se mudar para São Paulo. Marcou uma ida ao cinema com uma moça e, na última hora, desistiu de encontrá-la. “Que cafajeste, hein? Que cafajeste eu sou”, diz.
Passado esse momento, Antonio Candido, “no fundo do poço”, resolveu se aconselhar com uma amiga, Gilda de Mello e Souza, com quem se casou no ano seguinte. Viveram juntos por mais de seis décadas.
“Anotações Finais” e “O Avô na Sala de Estar” se aproximam do retratado de modos bem distintos. O primeiro é mais circunspecto e profundo, e o segundo mantém um tom solar. Os filmes se encontram, no entanto, ao registrar o amor desmedido de Antonio Candido por Gilda.
No novo filme, é curiosa a passagem em que o crítico dá como exemplo o capelete do almoço para demonstrar como Gilda tinha o melhor texto da família.
Em suma, o documentário é uma síntese do olhar afetivo e curioso de uma neta, uma entre tantas possibilidades de abordagem no caso de uma personalidade rara como a dele. Houve o Antonio Candido das salas de aula, da literatura brasileira, da erudição francesa, da sociologia Que venham outros filmes.
O AVÔ NA SALA DE ESTAR: A PROSA LEVE DE ANTONIO CANDIDO
– Avaliação Bom
– Onde plataforma Sesc Digital
– Preço acesso gratuito
– Classificação livre
– Produção Brasil, 2024
– Direção Fabiana Werneck e Marcelo Machado
– Duração 45 min
NAIEF HADDAD / Folhapress