FOLHAPRESS – Série disponível no streaming Max, “Romário, o Cara” poderia se chamar também “Quando Romário Foi o Cara”. E, durante um certo período do metaverso futebolístico, ali na primeira metade dos anos 1990, poucos foram os caras que se igualaram a ele.
Aliás, o recorte temporal é o grande acerto do diretor Bruno Maia, que desenvolve os seis episódios entre o início da carreira do atacante, em meados dos anos 1980 quando disputava com a camisa do Vasco os clássicos contra o Flamengo, de Bebeto, e a consagração na Copa de 1994, ano do tetra há uma ou outra explicação rápida para os cortes do jogador nos Mundiais de 1998 ou 2002.
Sendo assim, nada da passagem frustrante pelo “dream team” do Flamengo, das briguinhas com Edmundo no Vasco, dos sopapos em torcedor no Fluminense, do milésimo gol e, principalmente, nada de peripécias políticas do senador ou de questões contábeis.
É a chamada ausência que preenche.
O primeiro episódio começa justamente com o dia da final da Copa realizada nos EUA, contra a Itália, disputada no Rose Bowl, na Califórnia, com um sol para cada um. A série recupera a cena famosa do documentário de Murilo Salles, “Todos os Corações do Mundo” (1995): na boca do vestiário, Romário, na fila com os companheiros de seleção, é observado pelo italiano Baggio, principal astro da equipe rival e seu adversário na briga direta pelo título de melhor jogador do mundo.
É quando a série entra em um grande flashback para mostrar o início de carreira, quando morava em uma favela do Rio de Janeiro, a medalha de prata em Seul-1988, as virtudes que o levaram para a Europa e os perrengues com colegas e técnicos. A Copa de 1994 volta como destaque no epílogo heroico.
Romário é o cara, mas não é Michael Jordan. No entanto, a extraordinária série “Arremesso Final”, da Netflix (curiosamente mais conhecida aqui com a tradução do título original “The Last Dance”, que virou muleta até no Desafio ao Galo), foi uma espécie de inspiração e guia para Maia.
O próprio Romário é, evidentemente, o entrevistado principal, um condutor da própria história, que inclui o início fulminante no Vasco e as passagens igualmente vencedoras pelo holandês PSV e pelo espanhol Barcelona. A seleção funciona sempre como importante contraponto.
Entre os entrevistados estão ex-colegas de Barcelona, como Guardiola e Stoichkov, e treinadores, como Guus Hiddink. Do lado brasileiro, há declarações de vários companheiros da Copa de 1994, principalmente Ricardo Rocha. As entrevistas foram feitas entre agosto e novembro de 2021.
Apesar do protagonismo de 94, o atacante colecionava algumas desilusões com a equipe nacional, principalmente perto de Copas. Já poderia ter ido como jovem revelação em 1986, mas foi preterido pelo são-paulino Muller, um desafeto declarado.
Em 1990, depois do gol do título na Copa América de 1989, parecia que formaria a dupla com Bebeto. Antes do Mundial, porém, uma contusão com o PSV fez o atacante chegar à Itália com poucas condições de jogo. Ficou no banco, de onde viu Careca e Muller falharem contra a Argentina na eliminação precoce, nas oitavas de final.
Talvez se não fosse tão marrento, Romário tivesse mais chances. Mas se não fosse marrento, não seria Romário. “Eu gosto de paz, mas funciono pra caralho na guerra”, diz além de paz, o Baixinho sempre gostou da noite, do Carnaval, do futevôlei e de algumas regalias no elenco.
A marra, diz a ex-mulher Mônica Santoro que esteve com Romário durante todo o período retratado na série, ele herdou do pai, muito antes de qualquer fama.
Sua briga com Zagallo, com quem nunca se deu bem, é esmiuçada. Romário tinha um prazer especial em saber que os desafetos precisavam dele. A origem da treta com Muller também é lembrada.
A lenda de que não treinava entra na conta. Não é que ele não gostava de treinar, mas não curtia os exercícios sem bola. Assim que conquistava a artilharia e a confiança do técnico, dava um jeito de conseguir folgas mais longas e algumas regalias.
Assim, seus belos gols encantavam os colegas de equipe na mesma proporção que suas mordomias irritavam parte do time. Guardiola, companheiro de Barcelona, conta como os olhos do técnico Johan Cruyff (uma lenda no clube) brilhavam ao falar sobre Romário.
O treinador atual do Manchester City também sorri ao falar de sua admiração pelo Baixinho. Lembra que tocava de qualquer jeito e Romário dava um jeito de marcar transformando Pep no rei das assistências.
Mas também ressalta o caráter genioso do brasileiro. “Eu tive Messi, que fazia [gol] todo dia, todo dia Romário não era assim, mas quando ele queria, ele decidia a partida.”
Se a marra o afastou da seleção mais do que deveria, as voltas sempre ganhavam contornos de salvador da pátria. Foi assim em 1993, no último jogo da eliminatória, contra o Uruguai, no Maracanã. A partida é descrita pelo próprio Romário como sua principal atuação individual da carreira.
Afinal, como ele também gosta de dizer, o mundo ainda não sabia, mas ele já se considerava o melhor do mundo. E em 1994, foi.
ROMÁRIO – O CARA
Avaliação Bom
Direção Bruno Maia
Onde assistir: Max
Dur.: Seis episódios
SANDRO MACEDO / Folhapress