SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A encefalopatia traumática crônica, também conhecida como demência pugilística, doença provocada por repetidos traumatismos na cabeça ou no crânio, com a qual sofria Adilson “Maguila” Rodrigues, também pode afetar pessoas que são vítimas de violência doméstica. O alerta é do neurologista Renato Anghinah, que acompanhou o lutador nos últimos dez anos.
O sergipano, considerado o maior peso-pesado da história do boxe no Brasil, morreu nesta quinta-feira (24), aos 66 anos.
Embora seja associada a atletas, sobretudo a boxeadores, além de militares que frequentemente estão em batalha, a doença tem sido diagnosticada em mulheres e crianças vítimas de agressões físicas.
“O esporte sempre traz luz a esse tipo de problema, mas a gente também o vê na área civil e militar”, diz à Folha Renato Anghinah. “Em crianças com menos de um ano, nós temos associada ainda a ‘shaking head sindromy’, que é aquela chacoalhada na cabeça. Às vezes, a criança está chorando muito e a pessoa pega e dá aquela chacoalhada forte e isso pode causar lesões, inclusive agudas, com hemorragia”, acrescenta.
No caso de mulheres, de acordo com o neurologista, a encefalopatia traumática crônica é frequentemente observada em vítimas que sofrem repetidas pancadas na cabeça, como socos, além de golpes, sacudidas e outras situações que fazem com que o cérebro se mova bruscamente dentro da caixa craniana.
“Eu tenho casos assim inclusive no consultório, como uma paciente que apanhava do marido e não tinha coragem de colocá-lo para fora por medo de ser morta. Os filhos dela sempre assistiram as agressões, até que o mais velho cresceu, do ponto de vista físico, para colocar o pai para fora. Quando a trouxeram para tratamento, o diagnóstico foi encefalopatia traumática”, conta Renato Anghinah.
Além dos casos envolvendo violência doméstica, o países que tem atividade beligerante mais frequente, como os Estados Unidos, países do Oriente Médio ou que estão em guerra, como a Ucrânia e a Rússia, têm registros mais frequentes da doença. “Os soldados podem ter trauma direto, mas também por ondas de choque causadas pelas bombas, quando eles são catapultados e o cérebro chacoalha dentro do crânio”, afirma.
O diagnóstico definitivo da encefalopatia traumática crônica, contudo, só é possível de ser feito quando o cérebro é examinado após a morte, o que dificulta o início correto de seu tratamento.
Maguila, por exemplo, recebeu inicialmente um diagnóstico errado, e passou a ser tratado como se tivesse Alzheimer. “Certamente ele perdeu uma oportunidade de ter uma qualidade de vida melhor antes”, lembra o médico do lutador.
Quando eles tiveram o primeiro encontro, há cerca de dez anos, o pugilista já estava desenganado da vida. “Na época, ele só se alimentava por uma sonda direto no estômago”, conta. “Duas semanas depois que o tratamento foi revertido, ele voltou a fazer ingestão pela boca. Quando saiu do hospital, a primeira coisa que ele queria comer era uma feijoada.”
O neurologista afirma que, nos primeiros contatos com o pugilista, logo percebeu que seu diagnóstico de Alzheimer poderia estar errado devido à memória dele. De acordo com o médico, os dois tiveram um longo bate-papo e Maguila contou histórias relativamente recentes, o que não condiz com pacientes que sofrem de Alzheimer.
“A evolução da encefalopatia crônica é diferente do Alzheimer. Às vezes, a pessoa vai perdendo a memória globalmente, mas não é tão seletiva, como no Alzheimer”, explica. “Então, quando a gente se depara com pessoas com 5, 10 anos de diagnóstico, com sintomas de perda de memória, com histórico de traumas repetidos, e que ainda é capaz de ter um contato muito pleno com seu entorno, a gente passa a suspeitar que é encefalopatia traumática crônica, como foi o caso do Maguila.”
Como se trata de uma doença que não tem um tratamento específico ou forma de impedir sua progressão, os pacientes recebem cuidados para amenizar os sintomas.
Nos últimos dois meses, o quadro clínico de Maguila piorou e os cuidados para aliviar os sintomas não faziam mais efeito. De acordo com seu médico, ele teve uma piora que é esperada para a doença. “Ele teve algumas dificuldades a mais, até para expressar, mas estava falando relativamente bem”, lembra Renato.
“Depois, aconteceu o que também é comum nesses casos, em que o paciente vai ficando mais debilitado, mais sujeito a ter infecções, a deglutição já não é tão boa e pode aspirar e provocar uma pneumonia aspirativa. Então, esses eventos, em sequência, eventualmente, podem levar a um fim catastrófico.”
LUCIANO TRINDADE / Folhapress