SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta forte alta sexta-feira (8), com investidores repercutindo dados de inflação mais fortes do que o esperado e a indefinição quanto ao pacote de corte de gastos do governo federal.
Na cena internacional, anúncio de estímulos decepcionantes na China penalizam mercados emergentes.
Às 12h18, a moeda norte-americana disparava 1,76%, cotada a R$ 5,776 na venda. Já a Bolsa despencava 1,57%, aos 127.645 pontos.
A inflação oficial do Brasil, medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), acelerou a 0,56% em outubro, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A alta veio após variação de 0,44% em setembro.
A expectativa era de avanço de 0,54% de acordo com a mediana das projeções de analistas consultados pela agência Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 0,48%% a 0,65%.
Com o novo resultado, a inflação alcançou 4,76% no acumulado de 12 meses, apontou o IBGE. Nesse recorte, a alta era de 4,42% até setembro e de 4,82% há um ano. O mercado financeiro esperava 4,74%.
O IPCA é referência para a meta de inflação perseguida pelo BC (Banco Central), cujo centro é de 3% em 2024. A tolerância é de 1,5 ponto percentual para menos ou para mais.
Isso significa que o objetivo será cumprido se o IPCA ficar no intervalo de 1,5% (piso) a 4,5% (teto) nos 12 meses até dezembro.
“Diante desse cenário de inflação corrente pressionada, acredito que o Copom (Comitê de Política Monetária) certamente continuará subindo os juros. A dúvida é o ritmo de subida e vejo que cresce até mesmo as projeções de aumentar 0,75 ponto percentual”, diz Marcelo Bolzan, estrategista de investimentos e sócio da The Hill Capital.
Na quarta-feira, o comitê brasileiro optou por aumentar a taxa básica de juros do país, a Selic, em 0,50 ponto percentual, a 11,25% ao ano. O movimento veio em linha com o esperado pelo mercado.
Para analistas consultados pela Folha de S.Paulo, a decisão é reflexo de incertezas em relação à inflação, à política fiscal e ao cenário externo, que, no futuro, podem levar a um ciclo de altas ainda mais forte caso não sejam propriamente endereçados no curto e no médio prazo.
No dado desta sexta, o IPCA foi influenciado pelo aumento nos preços da energia elétrica residencial, mas os riscos fiscais seguem como fator de desancoragem de expectativas para a inflação.
O mercado aguarda o pacote de corte de gastos do governo, prometido em meados de outubro. As medidas de contenção de despesas visam dar mais sustentabilidade e longevidade ao arcabouço fiscal e atendem a temores de investidores quanto ao desequilíbrio das contas públicas do país.
A expectativa é que as propostas sejam apresentadas na próxima semana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá uma nova rodada de reuniões nesta tarde com ministros de governo. Segundo auxiliares, há ações que ainda precisam ser explicadas, e o pacote só será anunciado quando Lula bater o martelo.
Além disso, Haddad considera essencial que o pacote seja apresentado antes à cúpula do Senado e da Câmara.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, uma ala do governo defende que as medidas se tornem públicas num momento de menor turbulência externa nos mercados, cenário observado nesta semana diante da eleição dos Estados Unidos e da decisão do Banco Central sobre a taxa de juros.
Os adiamentos vão aumentando a expectativa em torno do pacote. Segundo pessoas a par das discussões, o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise.
O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser mais concentrado nos mais pobres. Já a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo, defendida por economistas e pelo mercado pelo impacto potente que produziria nas contas, está descartado e não é alvo das discussões recentes, segundo as mesmas pessoas.
Alterar os pisos de saúde e educação ainda é uma opção na mesa, mas, segundo um dos interlocutores, é um “candidato fraco” a figurar no cardápio final das mudanças.
Analistas estimam que o corte teria de ser em torno de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões para surtir o efeito desejado, tanto no âmbito fiscal, quanto nos ânimos do mercado.
A leitura de investidores é de que, com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, o mundo entrará em um período de dólar e juros mais altos, restando ao Brasil fazer o “dever de casa” nas contas públicas para reduzir a pressão.
Caso cumpra suas promessas de campanha, o republicano fará um novo mandato visto como protecionista. No comércio exterior, a promessa é aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações dos EUA, incluindo as que vêm de países aliados, e em pelo menos 60% sobre as da China.
As tarifas inibem o comércio global, reduzem o crescimento dos exportadores e pesam sobre as finanças públicas de todas as partes envolvidas. É provável que elas aumentem a inflação nos Estados Unidos, forçando o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) a agir com juros altos por mais tempo o que fortalece o dólar.
Na quinta, a autoridade norte-americana cortou a taxa de juros em 0,25 ponto percentual, levando-a à faixa de 4,5% e 4,75% ao ano. A decisão veio em linha com as expectativas do mercado e marca uma desaceleração do ritmo de afrouxamento monetário: no encontro passado, o Fed optou por uma redução de 0,50 ponto, após quatro anos sem cortar a taxa.
“A atividade econômica continuou a se expandir em um ritmo sólido”, disse o comitê, acrescentando que o mercado de trabalho “se flexibilizou” e que a inflação continua se aproximando da meta de 2%.
O presidente do Fed, Jerome Powell, disse que, por enquanto, o retorno de Trump à Casa Branca não terá efeito sobre as decisões de política monetária da autarquia no curto prazo.
“Não adivinhamos, não especulamos e não presumimos” quais serão as futuras escolhas políticas do governo, disse ele, em entrevista coletiva.
Na China, a vitória de Trump tem pressionado as autoridades por mais estímulos econômicos, visando amortecer os impactos de uma guerra comercial com os americanos.
Nesta sexta, a Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo aprovou um programa de refinanciamento das dívidas dos governos locais de 10 trilhões de yuans (R$ 8 trilhões), acima do que vinha sendo projetado até a eleição nos Estados Unidos, mas não o bastante para o mercado financeiro.
“O governo chinês deve optar por medidas de auxílio graduais em vez de uma ‘bazooka’ de estímulos, o que pode dificultar a melhora do sentimento em relação aos países com fortes laços comerciais com a China, como o Brasil”, disse em nota Eduardo Moutinho, analista de mercados do Ebury Bank.
TAMARA NASSIF / Folhapress