SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta forte alta sexta-feira (8), com investidores repercutindo estímulos decepcionantes na China e a indefinição quanto ao pacote de corte de gastos do governo federal.
Dados de inflação de outubro acima do esperado também amargam apetite do mercado.
Às 14h25, a moeda norte-americana disparava 1,82%, cotada a R$ 5,779 na venda. Já a Bolsa despencava 1,93%, aos 127.173 pontos.
A disparada do câmbio tem como gatilho o anúncio de estímulos aquém do esperado na China.
Nesta sexta, a Comissão Permanente do Congresso Nacional do Povo principal órgão legislativo chinês aprovou um programa de refinanciamento das dívidas dos governos locais de 10 trilhões de yuans (R$ 8 trilhões).
O número decepcionou o mercado, que já começa a precificar os efeitos de um novo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Ainda candidato, o republicano prometeu aumentar tarifas entre 10% e 20% sobre praticamente todas as importações norte-americanas, incluindo as que vêm de países aliados.
Para os produtos chineses, o aumento prometido é de pelo menos 60%.
Visando amortecer os impactos de uma guerra comercial mais ampla com os norte-americanos, Pequim “precisa, essencialmente, de mais”, disse Carlos Casanova, economista sênior do UBP para a Ásia.
O especialista afirma que a China precisa de um pacote de 23 trilhões de iuanes (R$ 18,5 trilhões) para resolver a dívida local e os problemas imobiliários, o que representa cerca de 15% de sua economia, e provavelmente “vai conter parte desse poder de fogo até ter uma ideia melhor do que o presidente Trump está planejando”.
O ministro das Finanças chinês, Lan Foan, sinalizou que haverá mais estímulos nesta sexta-feira. Mas a decepção com o número anunciado derrubou preços de commodities relevantes para os mercados emergentes, sobretudo aqueles com fortes vínculos comerciais com a China como o Brasil.
O barril do petróleo Brent caía quase 3% na Bolsa de Londres, enquanto o minério de ferro fechou com perdas de 1,65% em Dalian.
Os efeitos no mercado de commodities costumam se alastrar no câmbio de países de forte pauta exportadora. Além do real, o dólar disparava 2,28% e 1,62% em relação ao peso mexicano e ao rand sul-africano, respectivamente.
No Brasil, a aversão ao risco é agravada pela indefinição do pacote de corte de gastos do governo federal. As medidas de contenção de despesas, prometidas em meados de outubro, visam dar mais sustentabilidade e longevidade ao arcabouço fiscal e atendem a temores de investidores quanto ao desequilíbrio das contas públicas do país.
A expectativa é que as propostas sejam apresentadas na próxima semana. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terá uma nova rodada de reuniões nesta tarde com ministros de governo e, segundo auxiliares, há ações que ainda precisam ser explicadas. O pacote só será anunciado quando Lula bater o martelo.
Além disso, Haddad considera essencial que as medidas sejam apresentadas antes à cúpula do Senado e da Câmara.
Como mostrou a Folha, uma ala do governo defende que as medidas se tornem públicas num momento de menor turbulência externa nos mercados, cenário observado nesta semana diante da eleição dos Estados Unidos e da decisão do Banco Central sobre a taxa de juros.
Os adiamentos vão aumentando a expectativa em torno do pacote. Segundo pessoas a par das discussões, o abono salarial (espécie de 13º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois salários mínimos) deve ser alvo de um redesenho e há mais de um formato em análise.
O diagnóstico é de que o benefício, que custará R$ 30,7 bilhões em 2025, pode ser mais concentrado nos mais pobres. Já a desvinculação de benefícios sociais, como o abono e o BPC (Benefício de Prestação Continuada), em relação ao salário mínimo, defendida por economistas e pelo mercado pelo impacto potente que produziria nas contas, está descartado e não é alvo das discussões recentes, segundo as mesmas pessoas.
Alterar os pisos de saúde e educação ainda é uma opção na mesa, mas, segundo um dos interlocutores, é um “candidato fraco” a figurar no cardápio final das mudanças.
Analistas estimam que o corte teria de ser em torno de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões para surtir o efeito desejado, tanto no âmbito fiscal, quanto nos ânimos do mercado.
A percepção de risco nas contas públicas é um dos fatores associados à desancoragem de expectativas sobre a inflação brasileira.
Nesta sexta, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial da inflação do país, acelerou a 0,56% em outubro, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A alta veio após variação de 0,44% em setembro.
A expectativa era de avanço de 0,54% de acordo com a mediana das projeções de analistas consultados pela agência Bloomberg. O intervalo das estimativas ia de 0,48%% a 0,65%.
Com o novo resultado, a inflação alcançou 4,76% no acumulado de 12 meses, apontou o IBGE. Nesse recorte, a alta era de 4,42% até setembro e de 4,82% há um ano. O mercado financeiro esperava 4,74%.
O IPCA é referência para a meta de inflação perseguida pelo BC (Banco Central), cujo centro é de 3% em 2024. A tolerância é de 1,5 ponto percentual para menos ou para mais.
Isso significa que o objetivo será cumprido se o IPCA ficar no intervalo de 1,5% (piso) a 4,5% (teto) nos 12 meses até dezembro. O Copom (Comitê de Política Monetária), porém, projeta que a inflação fechará 2024 em 4,6%.
“O resultado traz a percepção de descontrole inflacionário no Brasil, que acaba gerando uma fuga de capitais aqui”, afirma Fernanda Campolina, especialista em câmbio da One Investimentos.
Na quarta-feira, o comitê brasileiro optou por aumentar a taxa básica de juros do país, a Selic, em 0,50 ponto percentual, a 11,25% ao ano. O movimento veio em linha com o esperado pelo mercado.
O movimento foi o oposto do Fed. Na quinta, a autoridade monetária dos EUA cortou a taxa de juros em 0,25 ponto percentual, levando-a à faixa de 4,5% e 4,75% ao ano.
A decisão veio em linha com as expectativas do mercado e marca uma desaceleração do ritmo de afrouxamento monetário: no encontro passado, o Fed optou por uma redução de 0,50 ponto, após quatro anos sem cortar a taxa.
TAMARA NASSIF / Folhapress