Dólar dispara, mas economistas desaconselham intervenção do BC

BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Economistas consultados pela reportagem desaconselham uma intervenção pontual do Banco Central no câmbio para conter o dólar, que vive disparada e fechou a sexta-feira (28) cotado a R$ 5,59, maior valor nominal desde janeiro de 2022.

A forte alta da moeda americana ocorre em meio a preocupações sobre o cenário fiscal no Brasil e a ruídos entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o comando da instituição. No ano, a moeda americana registra alta de mais de 15% ante o real, sendo 6,48% só em junho.

Apesar disso, a autarquia não deveria fazer qualquer tipo de intervenção extraordinária no mercado, de acordo com a maioria dos economistas consultados. Para eles, a alta do dólar está mais relacionada à confiança na política fiscal do país. “Não acho que a bola esteja com o BC”, diz Zeina Latif, sócia-diretora da Gibraltar Consulting.

“Ainda que tenha o fator externo levando à valorização do dólar no mundo, aqui o movimento tem sido mais intenso, estando associado às incertezas em relação à política econômica”, afirma.

No regime de taxa de câmbio flutuante, em tese, a instituição intervém somente para garantir o funcionamento adequado desse mercado, com ações voltadas a conter eventuais movimentos desordenados, evitar restrições de liquidez e assegurar o provimento de mecanismos de proteção.

Em entrevista coletiva na quarta-feira (26), o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que a autoridade monetária opera sob o princípio de separação, atuando via política monetária e medidas macroprudenciais, mas deixando o câmbio livre.

Ele afirmou, ainda, que a desvalorização do real está em linha com algumas outras variáveis que também simbolizam o aumento do risco Brasil. “O objetivo do Banco Central é que o câmbio flutuante sirva como um fator que absorva os choques”, afirmou Campos Neto.

Na sexta, o diretor de Política Monetária do BC, Gabriel Galípolo, se disse atento ao nível do dólar, mas não indicou intervenção, e reforçou que a instituição não trabalha com uma meta de câmbio.

“A gente vai estar sempre olhando se há algum tipo de descolamento muito fora daquilo que está acontecendo com os nossos pares e o restante do mercado global, se existem algumas janelas ou questão de disfuncionalidade na curva ou na própria liquidez”, disse.

Em 2023, o BC não realizou leilões extras de dólar —o que caracterizou a menor intervenção da autoridade monetária desde a adoção do regime de câmbio flutuante no país, em 1999. Neste ano, em abril, o Banco Central vendeu 20 mil contratos de swap cambial ofertados em leilão adicional —o equivalente a US$ 1 bilhão.

“Se o BC tentar segurar o dólar seria um movimento, a meu ver, errado, porque juros e taxa de câmbio estão refletindo um cenário de maior risco fiscal”, afirma o ex-secretário do Tesouro Nacional Mansueto Almeida.

Veja, a seguir, a opinião dos analistas consultados.

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Henrique Meirelles

Ex-ministro da Fazenda e ex-presidente do Banco Central

Penso que o Banco Central está certo em não intervir no câmbio. Não estamos em crise econômica. O mercado está precificando baseado nas expectativas e riscos percebidos. Intervenção neste momento seria um uso inadequado das reservas.

Arminio Fraga

Ex-presidente do Banco Central do Brasil (1999 a 2002) e sócio-fundador da gestora Gávea Investimentos

Não. Intervenções tendem a ser ineficazes se a origem do problema não for atacada. No caso, a falta de convicção na responsabilidade fiscal. E mais, em uma situação mais simples, devem ocorrer em conjunto com algum aperto de juros. Exceção feita a um caso de iliquidez extrema no mercado, o que não acontece agora.

Alexandre Schwartsman

Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC de 2003 a 2006 e consultor da A.C. Pastore

O Banco Central pode intervir? Até pode, só não vai ter muito efeito. Ele vai oferecer, as pessoas vão tomar esse dinheiro e vão pedir mais. Então, como política, seria um tiro no pé tentar vender dólar a essa altura do campeonato. O único caso em que a gente teve intervenção sistemática, tentando segurar o dólar, foi no caso do [presidente do BC de 2011 a 2016, Alexandre] Tombini. E, vamos falar a verdade, não foi um negócio que funcionou muito bem. Gerou um prejuízo gigantesco para o Banco Central e não segurou o dólar, porque não estavam sendo trabalhados os problemas de fundamento.

Mansueto Almeida

Economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional

Nem sempre é fácil afirmar que o BC deve ou não intervir no mercado cambial. No caso do Brasil, uma parte considerável da desvalorização do real no ano, em especial nos últimos 30 dias, reflete muito mais uma percepção crescente de que o governo não vai cortar despesas e, assim, vai mudar o teto de 2,5% para o crescimento do gasto público federal. Se escutássemos da ala política do governo alguma sinalização, seguida de medidas que mostrassem o compromisso do governo com o respeito ao teto, talvez tivéssemos um forte recuo do dólar. Mas com todo esse ambiente de incerteza fiscal que está se materializando, se o BC tentar segurar o dólar seria um movimento a meu ver errado, porque juros e taxa de câmbio estão refletindo um cenário de maior risco fiscal.

José Roberto Mendonça de Barros

Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e consultor da MB Associados

Eu não recomendo uma intervenção do BC. No meu entender, estamos vivendo uma overshooting [desvalorização elevada da moeda no curto prazo], porque o dólar a R$ 5,60, R$ 5,50 não dialoga com o fundamento da área externa brasileira. O saldo comercial, na nossa projeção, vai a US$ 85 bilhões, US$ 90 bilhões. Por que vai desvalorizar desse jeito? A perspectiva lá de fora, eu acho que é de juros onde está para menos, do dólar frente às moedas também para menos. Não é consistente [a alta]. Essa sucessão de falas do governo, especialmente do presidente Lula, criticando assertivamente o presidente do BC, só fez aumentar a temperatura do que já vinha mal.

Armando Castelar

Pesquisador do FGV-Ibre e professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ

Penso que não deve intervir. Não há sinal de disfuncionalidade, o movimento do câmbio está pleno, com grandes entradas líquidas pelo lado comercial. E se intervir vai apenas atrair os especuladores que vão tentar derrubar mais o câmbio. A desvalorização tem refletido os fundamentos, com o cenário externo ruim para emergentes e o aumento do risco macroeconômico no Brasil, na área fiscal e na incerteza sobre a sucessão no BC.

Caio Megale

Economista-chefe da XP e ex-secretário de Desenvolvimento da Indústria e Comércio

Por ora, não faz sentido o BC intervir no mercado. O que está acontecendo com o câmbio é um aumento do prêmio de risco com relação à incerteza da condição de política econômica no Brasil, ruídos etc. Enquanto esses ruídos permanecerem, essas incertezas permanecerem, que inclusive têm a ver com a transição do BC, não adianta fazer intervenção pontual, porque o BC vai gastar bala e não vai mudar o fundamento que está expressando esse aumento de risco. Acho que é o momento de tentar diminuir as incertezas fiscais com relação à sustentabilidade do arcabouço, tanto do lado do crescimento das despesas, quanto do lado do atingimento da meta.

Solange Srour

Diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management e colunista da Folha de S.Paulo

A intervenção deve ser feita apenas quando o mercado não está funcionando e não é este o caso. O que está acontecendo é uma piora de percepção de solvência fiscal e uma incerteza sobre o futuro do BC (quem vai estar lá no ano que vem e como vai atuar). Por outro lado, a sinalização antecipada de quem irá substituir Campos Neto e os nomes dos próximos diretores diminuiria dúvidas, mas nem isso seria suficiente. A unanimidade na última reunião do Copom [Comitê de Política Monetária] foi positiva, agora, o mercado vai testar reunião a reunião, a atuação dos diretores que vão estar lá em 2025 e 2026. Outra coisa que ajudaria seria um anúncio fiscal relevante, mostrar que a meta de 2024 está valendo e que o teto do arcabouço fiscal [de aumento de despesas até 2,5%] vai ser mantido.

Samuel Pessôa

Pesquisador do Ibre-FGV e colunista da Folha de S.Paulo

A desvalorização ocorre por um motivo real: há um déficit fiscal estrutural e não há reconhecimento do Executivo deste fato, nem há um plano crível de sanar o problema em tempo hábil. Ou seja, a desvalorização do câmbio deve-se a um fundamento errado. Nessas circunstâncias, a intervenção no câmbio gera muita saída de capitais e baixo impacto sobre a cotação.

Carlos Kawall

Sócio-fundador da Oriz Partners e ex-economista-chefe do Banco Safra

A intervenção no câmbio seria um erro, certamente ineficaz. Continuo defendendo a tese da necessidade de um ajuste fiscal ser a prioridade. Com o câmbio depreciando, as expectativas de inflação continuarão piorando, o que deverá levar o BC a considerar o balanço de riscos como assimétrico para cima. Assim, aumentou o risco do BC subir juros ainda esse ano. Tomara que eu esteja errado. Não merecemos isso. Mas o governo continua semeando vento.

Zeina Latif

Diretora da Gibraltar Consulting, ocupou o cargo de economista-chefe em diferentes bancos

Há justificativa para a intervenção do BC quando há uma situação de liquidez muito baixa no mercado cambial, por demanda muito forte, e/ou um quadro de muitas incertezas. O quadro pode alimentar movimentos de manada, que produzem muita volatilidade. A volatilidade machuca muito o setor produtivo, então ter uma contenção é recomendável. Ainda que tenha o fator externo levando à valorização do dólar no mundo, aqui o movimento tem sido mais intenso, estando associado às incertezas em relação à política econômica, alimentadas pelas falas do presidente. O câmbio, em condições normais, estaria abaixo de R$ 5. Neste caso, o problema é que uma eventual intervenção vai ser pouco efetiva. Não acho que a bola esteja com o BC.

Luiz Gonzaga Belluzzo

Professor emérito da Unicamp e docente do Instituto de Economia

O BC pode tomar decisões para conter, atenuar a flutuação do câmbio —o que seria desejável. O que deveria ser feito é tentar impor certas restrições, colocar, por exemplo, um imposto sobre a entrada e saída de capitais. Se isso for colocado em prática, é claro, vai causar uma rebelião, vão dizer que estão fazendo uma coisa artificial, mas tudo é artificial no capitalismo.

Igor Rocha

Economista-chefe da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)

A volatilidade acaba caminhando junto com a abertura das curvas longas de juros, o que é muito ruim do ponto de vista da imprevisibilidade para o investimento. A imprevisibilidade da taxa de câmbio dificulta o planejamento do investimento e é um fator imediato para alta do custo do hedge. Algumas agendas de fato estão sendo postas de uma maneira um pouco mais quadrada, como a MP do PIS/Cofins. Precisaria de um pouco mais de tranquilidade neste momento. Mas precisa ter um encaminhamento por parte do gasto. Está faltando. Não dá para achar que vai fechar a conta só pelo lado da receita.

David Deccache

Doutor em economia (UnB) e assessor parlamentar na Câmara dos Deputados

Há raízes estruturais no movimento cambial que observamos, e por mais necessárias que medidas de intervenção possam ser, ainda assim atuam apenas no sintoma. Por fim, declarações do BC afirmando que vai buscar garantir a estabilidade cambial usando os instrumentos necessários, tenderia a reduzir o movimento atual de desvalorização, volatilidade e incerteza —mesmo que não resolvam o problema original: uma política fiscal organizada tendo com base uma regra que viola princípios matemáticos básicos.

ADRIANA FERNANDES, DOUGLAS GAVRAS, FÁBIO PUPO E GUSTAVO SOARES / Folhapress

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