SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar oscila nesta quarta-feira (30), com o mercado ainda repercutindo a declaração do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de que não há prazo para o anúncio de medidas de contenção de gastos do governo.
Os investidores também avaliam os dados do PIB (Produto Interno Bruto) e do mercado de trabalho dos Estados Unidos, em meio às expectativas pelo fim da disputa entre Donald Trump e Kamala Harris nas eleições da semana que vem.
Às 16h08, a moeda americana tinha leve variação negativa de 0,01%, cotada a R$ 5,760 na venda. Já a Bolsa, que oscila entre os sinais desde a abertura do pregão, marcava queda marginal de 0,07%, aos 130.636 pontos.
O mercado doméstico segue receoso quanto ao compromisso do governo com o equilíbrio das contas públicas.
Na terça-feira (29), o dólar fechou em forte alta de 0,95%, cotado a R$ 5,762, puxado por um cenário externo adverso e impulsionado por declarações de Haddad. Essa foi a maior cotação para a moeda americana desde 29 de março de 2021, quando fechou em R$ 5,767.
Em entrevista a jornalistas no fim da tarde, o chefe da ala econômica disse que as propostas de corte de gastos prometidas pelo governo estão sob análise do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que cabe ao presidente definir quando o conjunto será fechado.
A pretensão de encaminhar ao Congresso Nacional ainda em 2024 um pacote de revisão de gastos estruturais foi anunciada pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) em 15 de outubro. Na ocasião, afirmou que as medidas seriam enviadas após as eleições municipais, findadas no último domingo.
O anúncio foi um aceno da ala econômica às preocupações do mercado quanto à estabilidade fiscal. Para os agentes financeiros, é preciso ajustes na ponta das despesas, e não só reforços na arrecadação.
Para Matheus Massote, especialista em câmbio da One Investimentos, o fato de o pacote fiscal ainda precisar da aprovação de Lula pode “dificultar o processo e afastar a concretização das medidas”.
“O surgimento desses rumores foi o que movimentou os preços no início da tarde da terça-feira, levando o dólar a ultrapassar os R$ 5,76. Esse cenário gerou um descolamento ainda maior do real em relação a outras moedas de países emergentes”, afirma.
Em resposta à reação do mercado, Haddad se reuniu com Lula no Palácio da Alvorada no final da noite de terça, em encontro que não estava previsto pelas agendas oficiais. Também participaram da reunião o futuro presidente do BC (Banco Central), Gabriel Galípolo, que é ex-número dois da Fazenda, além de Dario Durigan e Guilherme Mello, atuais secretários da pasta.
Já nesta quarta, Haddad disse que há convergência com a Casa Civil em torno da elaboração do pacote, mas ressaltou que o plano passa por análise jurídica e ainda não tem prazo para ser apresentado.
Em entrevista a jornalistas, ele afirmou que deve ser necessário aprovar uma emenda constitucional para efetivar medidas em análise, ressaltando que elas terão “o impacto necessário para o arcabouço ser cumprido”.
“Tem esse desafio de redação. Invariavelmente, a proposta é de uma emenda constitucional”, afirmou.
Na entrevista, o ministro afirmou entender a inquietação do mercado, argumentando que uma semana a mais de discussão no governo não vai prejudicar as propostas, mas “melhorar a qualidade do trabalho”.
“As despesas obrigatórias, (o governo) tem que encontrar uma forma de caberem dentro do arcabouço, é isso que vai dar sustentabilidade”, disse.
Uma reunião da JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado de ministros responsável pelas decisões de política fiscal e orçamentárias do governo, ainda está marcada para esta quarta-feira à tarde.
Em princípio, vários temas orçamentários estão na pauta, mas a expectativa na equipe econômica é que o foro da JEO permita avançar na definição das medidas do pacote de corte de gastos. A reação do mercado à demora do anúncio aumentou o senso de urgência, segundo integrantes da área econômica ouvidos pela Folha.
No mercado, a expectativa é que o dia seja marcado por “uma certa aversão a riscos e um alto grau de pessimismo de investidores quanto ao tema da política fiscal”, disse Marcio Riauba, gerente da Mesa de Operações da StoneX Banco de Câmbio.
“Após a reunião de Haddad e governo no início da semana, expectativas quanto ao pacote de corte de gastos do governo deixam o real à deriva.”
O mercado ainda reage ao cenário dos Estados Unidos. Divulgado pela manhã, o relatório da ADP sobre o mercado de trabalho mostrou que 233 mil vagas foram criadas no setor privado em outubro, ante 159 mil do mês anterior.
Economistas consultados pela Reuters projetavam uma desaceleração na abertura de vagas para 114 mil em outubro.
Acrescentando à percepção de força da economia dos EUA, o PIB (Produto Interno Bruto) do país cresceu 2,8% no terceiro trimestre, um pouco abaixo da expectativa em pesquisa da Reuters de expansão de 3%, mas com os gastos das famílias e do governo subindo 3,7%.
O número ainda ficou acima da alta de 1,8% que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) considera como um crescimento não inflacionário.
Os resultados afastaram ainda mais a tese de desaceleração econômica e enfraquecimento do mercado de trabalho dos EUA, o que deve impactar diretamente os próximos movimentos do Fed na reunião da semana que vem.
A autoridade americana, assim como o BC brasileiro, se reúne entre os dias 5 e 6 de novembro para decidir sobre juros. No encontro passado, o Fed iniciou o aguardado ciclo de afrouxamento monetário com um corte de 0,50 ponto percentual, levando a taxa à banda de 4,75% e 5%.
Com dados fortes da economia dos EUA, o mercado projeta 98% de chance de um corte de 0,25 ponto ocorrer na semana que vem, segundo a ferramenta CME Fed Watch.
No front político, a expectativa em torno das eleições presidenciais americanas também tem pautado os mercados globais. Na disputa entre o ex-presidente Donald Trump e a atual vice-presidente Kamala Harris, o mercado aponta uma maior probabilidade de vitória para Trump, com chances de 66% de retorno à Casa Branca, segundo a plataforma Polymarket.
As promessas econômicas de Trump incluem aumento tarifário sobre as importações, especialmente as chinesas, e um possível corte de impostos medidas que são vistas como inflacionárias e que podem influenciar o Fed a manter juros elevados por mais tempo.
“O mercado espera uma vitória de Trump, que, por diversos fatores, tende a fortalecer o dólar durante seu mandato e a manter a inflação e os juros elevados por mais tempo. Kamala, por outro lado, sem o apoio do Senado, provavelmente enfrentaria limitações para implementar mudanças significativas, o que manteria o dólar em um patamar um pouco mais baixo em relação a outras economias”, afirma Keone Kojin, economista da Valor Investimentos.
TAMARA NASSIF / Folhapress