SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar apresenta alta nesta quinta-feira (3), em sinal de cautela com a escalada dos conflitos no Oriente Médio e com a retomada dos temores sobre as contas públicas do Brasil.
Às 14h05, a moeda americana avançava 0,72%, a R$ 5,484, ainda impulsionada pela perspectiva de cortes menores nos juros dos Estados Unidos. Já a Bolsa tinha forte queda de 1,69%, a 131.251 pontos, com quase todas as empresas da carteira teórica do Ibovespa no negativo.
O dia tem sido de pressões vindas do exterior, com agravantes domésticos que potencializam perdas dos ativos daqui.
Desde terça-feira, o mundo e o mercado financeiro está em alerta para uma possível guerra generalizada no Oriente Médio. O Irã, em retaliação às ofensivas de Tel Aviv contra a Faixa de Gaza e o Líbano, disparou cerca de 200 mísseis contra Israel, em sinal de escalada do conflito.
O presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, disse que ação é “apenas parte da capacidade” do país, instando Israel a “não entrar em confronto com o Irã”. Mas a administração de Benjamin Netanyahu já prometeu uma resposta.
Nas finanças globais, episódios bélicos instam investidores a “buscar por ativos mais protegidos, mais seguros”, afirma Thiago Avallone, especialista em câmbio da Manchester Investimentos. Isso costuma se traduzir em procura pelo mercado dos Estados Unidos, em especial pelo dólar.
O ataque iraniano ainda fazia os preços do petróleo subirem por temores de oferta reduzida, a depender do desenrolar do conflito. O barril do Brent, referência do exterior, disparava 4,80% na Bolsa de Londres.
Outro fator ainda beneficiava a moeda americana: os relatórios de emprego dos Estados Unidos.
Divulgados nesta quinta, os pedidos iniciais de auxílio-desemprego subiram para 225 mil na semana encerrada em 28 de setembro, de 219 mil revisados ligeiramente para cima na semana anterior.
Apesar de o número ter sido acima do esperado a projeção era de 220 mil pedidos, o resultado fortalece o argumento de que o mercado de trabalho norte-americano passa por um esfriamento moderado.
A atenção dos operadores aos números de emprego dos Estados Unidos acompanha a mudança de foco do Fed (Federal Reserve, o banco central do país), que baliza as decisões de política monetária a partir dos dados do mercado de trabalho e de inflação dinâmica chamada de “mandato duplo” no jargão econômico.
Nos últimos meses, os indicadores inflacionários têm mostrado uma convergência gradual à meta de 2%, ao passo que os de emprego têm desacelerado a cada nova leitura.
Na última decisão de política monetária, no dia 18 de setembro, a autoridade americana fez o primeiro corte nos juros em mais de quatro anos. A taxa foi reduzida em 0,50 ponto percentual e agora está na faixa de 4,75% e 5%.
A dúvida dos investidores é sobre o ritmo dos próximos cortes. Em discurso na segunda-feira, Jerome Powell, presidente do Fed, disse prever mais duas reduções na taxa de juros, de 0,25 ponto cada, “se a economia tiver o desempenho esperado”.
A força inesperada do mercado de trabalho dos EUA tem consolidado expectativas de cortes mais graduais, de fato, nos juros pelo Fed. Apostas de uma redução de 0,25 ponto percentual na próxima reunião reuniam agora 61% dos operadores, segundo a ferramenta CME Fed Watch.
A grande divulgação da semana, porém, acontece na sexta-feira, quando será publicado o “payroll” (folha de pagamento, em tradução literal), o indicador mais amplo de desemprego do país.
Quanto menores os juros nos EUA, pior para o dólar, que se torna menos atraente conforme os rendimentos dos títulos ligados ao Tesouro norte-americano, os Treasuries, caem. Com a perspectiva de cortes mais graduais, a moeda, portanto, ganhava força.
Já na cena doméstica, o otimismo com a decisão da Moody’s de elevar a nota de crédito do Brasil, de Ba2 para Ba1, se dissipou, e temores com as contas públicas voltavam ao foco dos investidores.
Na terça-feira, a agência de classificação de risco que avalia a capacidade de pagamento de dívidas a partir de uma nota de crédito (ou “rating”) deixou o Brasil a um passo do chamado grau de investimento. O patamar significa que um país é considerado seguro, ou seja, com baixos riscos de calote para quem investe em seus títulos de dívida.
Segundo analistas, porém, a mudança anunciada pela Moody’s não reverteu preocupações dos agentes financeiros locais com o equilíbrio das contas públicas.
“O mercado digeriu bem a questão da Moody’s, mas não comprou que melhorou a perspectiva fiscal com esse ‘upgrade’. Pelo contrário, ainda muito precisa ser feito na contenção de gastos”, disse Matheus Spiess, analista da Empiricus Research.
Dados divulgados pelo Tesouro Nacional nesta quinta mostraram que o governo central registrou déficit primário de R$ 22,404 bilhões em agosto, ante um saldo negativo de R$ 26,730 bilhões no mesmo mês do ano passado. O dado veio em linha com o esperado por economistas.
O desconforto do mercado é com a criação de despesas permanentes, pagas com receitas temporárias.
Para estrategistas do BTG Pactual, o cenário externo é positivo para o Brasil, com queda de juros nos Estados Unidos e um grande pacote de estímulos anunciado pela China na semana passada. Os contínuos desafios fiscais, no entanto, podem impedir o país de “capturar o momento favorável”.
“Infelizmente, parece que o país está perdendo outra oportunidade de ouro, especialmente porque alguns de seus principais pares de mercados emergentes enfrentam desafios ainda mais agudos”, afirmaram em relatório.
O cenário coroa falas recentes de Roberto Campos Neto, presidente do BC (Banco Central). Segundo ele, o país precisará de algum programa que gere a percepção de um choque fiscal positivo se quiser conviver com juros mais baixos.
“Quando a gente vê que o mercado começa a ter questionamentos sobre a trajetória da dívida fica muito mais difícil conviver com juros baixos, a curva de juros longa sobe rapidamente”, disse em evento promovido pela gestora Crescera Capital, em São Paulo.
O contexto se traduzia em alta nas taxas de juros futuros, que pressionavam as ações do Ibovespa. Além disso, o índice ainda era puxado para baixo pela queda firme dos papéis da Vale, de 2,43 %, em dia de desvalorização do minério de ferro no exterior.
Redação / Folhapress