SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar está em disparada nesta sexta-feira (29) e ronda a casa dos R$ 6,10, com o mercado ainda repercutindo o pacote de ajuste fiscal do governo e o aumento da faixa de isenção do IR (Imposto de Renda).
Às 11h12, a moeda norte-americana avançava 1,57% e estava cotada a R$ 6,084. Na máxima da sessão até aqui, chegou a bater R$ 6,115.
O movimento segue a alta de 1,30% de quinta-feira, quando fechou a R$ 5,990. Durante o período de negociações, o dólar chegou à marca de R$ 6 pela primeira vez na história.
Com isso, o recorde de valor nominal foi renovado pelo segundo dia consecutivo. Até quarta-feira, quando marcou R$ 5,913, o maior patamar já registrado era de R$ 5,905, atingido no dia 13 de maio de 2020, no estouro da pandemia de Covid-19. A base nominal desconsidera a inflação do cálculo.
Já a Bolsa, também às 11h12, caía 0,32%, aos 124.204 pontos.
As medidas de ajuste fiscal do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seguem em destaque nesta sessão.
O pacote que prevê uma economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026 tem como uma das principais medidas a limitação do ganho real do salário mínimo. A proposta é alinhá-lo às mesmas regras do arcabouço fiscal, cujo limite de despesas tem expansão real de 0,6% a 2,5% ao ano.
Após semanas de espera, no entanto, a proposta final decepcionou o mercado financeiro por excluir medidas de maior impacto fiscal e incluir a elevação para até R$ 5.000 na faixa de isenção de Imposto de Renda, tendo como fonte a taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil mensais.
Ainda que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha dito que os cortes não se relacionam diretamente com a reforma do IR, as medidas caíram mal entre os agentes financeiros.
O problema foi comunicar as duas medidas ao mesmo tempo especialmente em um momento de grande expectativa pelo pacote.
“Os investidores provavelmente receberiam de braços abertos esse valor significativo de R$ 70 bilhões, mas a surpreendente medida de isentar os salários até R$ 5.000 conteve o otimismo”, avalia Eduardo Moutinho, analista de mercados do Ebury Bank.
O forte estresse reverbera também no mercado de juros, em disparada que levou alguns contratos a entrarem em leilão.
As negociações para janeiro de 2028 e para janeiro de 2029 foram suspensas brevemente para controlar a volatilidade, e logo depois voltaram a apresentar forte alta.
O de 2028 subia 2,8%, em 0,40 ponto percentual, prevendo uma taxa Selic em 14,355%. O de 2029 avançava 2,50%, em 0,35 ponto, a 14,26%.
Os de curto e médio prazo também estimavam uma Selic em 14%. O de janeiro de 2026 saltava para 14,17%, ante 13,95% da abertura. O de janeiro de 2027, um dos mais líquidos, subia 2,40%, a 14,375%.
A Fazenda estima que o aumento da faixa de isenção terá um impacto de cerca de R$ 35 bilhões na arrecadação federal. Isso será compensado, ainda segundo o ministro, por uma alíquota mínima de 10% no IR para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês, o equivalente a R$ 600 mil por ano proposta conhecida como “taxação dos super-ricos”.
Além disso, o governo terminará com a isenção para aposentados que tenham problemas de saúde graves e recebam acima de R$ 20 mil ao mês, “entre outros ajustes”.
De acordo com Haddad, a reforma sobre o IR não fará efeito no fiscal e tem como objetivo assegurar a justiça tributária.
Mas a matemática não convenceu totalmente o mercado, que ainda espera mais detalhes sobre como a conta será paga. Além disso, ficou a percepção de que a preocupação do governo é mais política do que econômica.
“O governo precisa demonstrar que seu plano é viável, e por isso devemos esperar um período de volatilidade nos próximos dias e meses. A implementação do esforço fiscal prometido será crucial para consolidar a confiança do mercado”, diz André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online.
Ele avalia, no entanto, que há um exagero por parte dos investidores. “A reação é compreensível, mas a considero desproporcional. Ficou claro que a responsabilidade fiscal é uma prioridadade.
A notícia de que a taxa de desemprego atingiu o menor patamar da série histórica tampouco fez efeito nos ânimos do mercado.
Dados divulgados nesta sexta pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) voltou a recuar no trimestre até outubro e atingiu 6,2%.
Até então, a mínima havia sido registrada no trimestre até dezembro de 2013. À época, a taxa foi de 6,3%.
“Os números vieram muito positivos, mas não acalmaram o nervosismo. O mercado continua bem instável por causa das incertezas com o pacote, e todo o mercado cambial e de juros futuros está em alta exponencial. Isso é bem preocupante, mas aguardamos uma próxima semana de mais equilíbrio”, diz Lucélia Freitas Aguiar, especialista em câmbio da Manchester Investimentos.
O governo estava pressionado para apresentar medidas que garantissem o equilíbrio das contas públicas.
Na leitura do mercado, gastos crescentes estavam sendo cobertos com receitas pontuais, chamadas de “arrecadações extraordinárias”. A pressão era para diminuir as despesas, e não só achar mais fontes de arrecadação, para que a dívida pública se tornasse mais sustentável.
A estabilidade econômica de um país, vale ressaltar, é um dos principais fatores levados em consideração por investidores internacionais na hora de tomar decisões de investimento. Se há fatores de insegurança em jogo, é comum que os operadores escolham ativos mais seguros como o dólar para proteger seus recursos.
O pacote de cortes de gastos endereça essa insegurança sobre a dívida pública. Em entrevista coletiva na quinta, Haddad e a equipe econômica detalharam as medidas fiscais.
Entre as medidas anunciadas, estão: revisão da regra de concessão do abono salarial; regulamentação dos supersalários; aperto nas regras de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada); mudanças nas aposentadorias de militares; e limite do crescimento de emendas parlamentares às regras do arcabouço fiscal. Leia a íntegra aqui.
A expectativa é que a proposta com as medidas de contenção de gastos seja encaminhada para o Congresso Nacional até esta sexta.
TAMARA NASSIF / Folhapress