SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma das primeiras pessoas presas na Operação Lava Jato sob acusação de atuar como doleira, Nelma Kodama conta em documentário como entrou para a atividade a partir de um romance e, entre vários relatos pessoais, busca glamourizar e relativizar suas condutas consideradas criminosas pela Justiça.
Intitulado “Doleira: A História de Nelma Kodama”, o filme tem previsão de estreia na próxima quinta-feira (6/06) na Netflix.
A obra mostra a trajetória da jovem que cresceu em Lins, no interior de São Paulo, e deixou o projeto de ser dentista para se tornar uma das pessoas que mais se expôs na já midiática Lava Jato.
O documentário tem duração de 1h35 e direção de João Wainer, que foi editor da TV Folha e é colaborador do jornal.
Apesar de ter ficado conhecida quando afirmou ter mantido relacionamento com o operador financeiro Alberto Youssef em uma sessão da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Petrobras, Kodama relata que foi outro romance com um doleiro que lhe abriu as portas para a atividade.
Ela afirma no documentário que o seu primeiro affair com uma pessoa do ramo foi com um dos suspeitos em 2003 na Operação Anaconda, ação conjunta do Ministério Público Federal e da Polícia Federal que desbaratou uma quadrilha que negociava decisões judiciais na Justiça Federal em São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Foi nessa época que ela começou a atuar como doleira e passou a ser conhecida pelas autoridades.
Na Lava Jato, Kodama integrou a lista dos primeiros presos da operação, em março de 2014. Ela foi condenada em outubro daquele ano pelos crimes de corrupção, evasão de divisas e organização criminosa. Depois de assinar acordo de delação premiada com as autoridades, a pena, que era de 18 anos, foi diminuída para no máximo 15 anos.
Em 2019 Kodama recebeu o benefício do indulto (quando o Estado declara não ter mais interesse em punição), obtido em decorrência de decreto natalino do então presidente Michel Temer, em 2017.
O filme traz episódios como o da divulgação de fotos em redes sociais em que exibia a tornozeleira eletrônica usando roupas de luxo.
No documentário, ela também se defende da acusação de ter atuado em um esquema de tráfico internacional de drogas, suspeita que levou à prisão dela em 2022 em Portugal. Ela ficou detida no país europeu por seis meses e depois foi extraditada ao Brasil, onde ficou em cárceres na Bahia e em São Paulo.
O trabalho de seus advogados e o momento da libertação dela para o regime de prisão domiciliar, no ano passado, são mostrados no filme. Em fevereiro a detenção domiciliar foi convertida em liberdade provisória.
A obra traz entrevistas com a procuradora regional da República Janice Ascari, o diretor-executivo da Transparência Internacional Brasil Bruno Brandão e os jornalistas Fernando Rodrigues e Malu Gaspar, que servem de contraponto ao discurso de Kodama e conferem contexto histórico e didatismo ao filme.
“Ela [Kodama] opera na lei dela, numa lógica própria, ela realmente não acha que fez nada de errado”, afirma o diretor Wainer.
“Fazia transações de valores altíssimos na base da confiança, acordos de boca. Ela não tem medo. Não tem medo de ir pra cadeia ou de fracassar. Foi assim que ela começou a fazer coisas que ninguém mais fazia”, completa.
Também condenados na Lava Jato, Luccas Pace (acusado de ser comparsa de Kodama) e o ex-deputado federal Pedro Corrêa contam na obra episódios do período em que dividiram cela com ela. O filme ainda mostra depoimentos de colegas da faculdade de odontologia de Kodama.
Além da direção de João Wainer, o documentário tem roteiro de Camila Kamimura, produção de Camila Villas Boas e Roberto Oliveira, produção executiva de Carol Amorim e Yara Camargo, pesquisa de Lili Onozatto e Maria Júlia Bottai, direção de fotografia de Miguel Vassy e montagem de André Felipe Silva.
FLÁVIO FERREIRA / Folhapress