‘Domingo à Noite’ tem problemas de roteiro que não sabe para onde ir

FOLHAPRESS – Há vários pontos de entrada em “Domingo à Noite”: o Alzheimer, a velhice —ou o envelhecimento—, os problemas familiares, os conflitos de geração. O autor, Bruno Gonzales, optou claramente por colocar o Alzheimer como centro, tornando os demais subsidiários.

Em uma casa de fato cinematográfica no Rio de Janeiro vive a atriz Margot, interpretada por Marieta Severo. Ela está dividida entre fazer a última cena de um filme e cuidar do marido, Antônio, personagem de Zé Carlos Machado. Não se diz nada sobre seu trabalho, mas pelas poucas indicações terá sido um escritor e/ou jornalista. De todo modo, podemos pensar que Margot é atriz de sucesso, talvez tivesse um daqueles contratos às antigas da Globo.

Atriz ou não, vemos o drama burguês deslocar-se dos tradicionais conflitos de família —desamores, desencontros ou conflitos de geração etc.— para uma doença que preocupa a todos. Em vez dos conflitos citados acima, temos o amor incondicional de Margot pelo marido. Amor que vem da juventude —um flashback rápido, felizmente, os mostra jovens, num idílio que não cairia mal num anúncio de pasta de dentes.

Depois de perder um tempo imenso com Margot, basicamente, andando de um lado para outro na casa, entra em cena Francine, papel de Natália Lage, a filha. Sabemos que, à parte o amor sem fim entre marido e mulher, ao lado só existem problemas.

Francine quer que a mãe contrate alguém para cuidar do pai. Margot nem considera a hipótese. Surge então Guto, o irmão, que vê com bons olhos a ideia de mandar os pais para um asilo, ao que parece para passar a casa nos cobres.

Entre mãe e filha existe, não diria um conflito, mas olhares diferentes sobre a melhor maneira de cuidar do pai. Francine, já se vê, é a equilibrada da família. Margot é bastante autoritária, o que podemos notar não apenas pela maneira como impõe sua vontade à família, mas no trato das pessoas do filme que está fazendo.

O roteiro, claro, não deixa passar em branco o ressentimento da filha em relação à mãe, que a seu ver não cuidou dela como deveria. Além do mais, Guto foi, ao que parece, mimado pela mãe,a julgar pelas reações de Francine.

Num filme que faz de citações cinematográficas o essencial de seu recheio, talvez não seja absurdo supor que o nome Margot coincida com o de Margo Channing, ou Bette Davis, em “A Malvada!”, que a sequência de afogamento venha em linha reta da versão Minnelli de “Nasce uma Estrela”, que a sequência final seja um arremedo de “Os Deuses Malditos”, de Visconti, indica que a direção, percebendo a inanição da proposta, optou por brincar um pouco com a história do cinema.

Em matéria de história, vamos ser francos, lembra mais os melodramas da nossa velha Vera Cruz do que para Hollywood ou Cinecittà.

Existe entre as duas um conflito evidente sobre a maneira de tratar o pai. Margot quer ela mesma se ocupar de Antônio. A filha acha absurdo.

De todo modo, esse momento serve para sabermos que Margot é bastante autoritária, ou, se preferir, tem uma vontade férrea. E aí já se abre espaço para outros conflitos, em princípio, subterrâneos.

Outros surgirão: o filho, Guto, não é o bonzão que aparenta, perdeu o emprego no banco, deve até para agiotas. A irmã não deixa de notar que ele foi mimado pela mãe. Mimado como? Para ter esse casarão, cheio de quadros e tal, ela devia trabalhar muito, a não ser que fosse casada com o Paulo Coelho.

Como as coisas já vão muito mal, outros males surgirão. E saberemos mais um pouco sobre o suicídio da outra filha do casal, que era vítima das drogas —e da maquiagem. Certos problemas dão a impressão de surgir apenas para arranjar um roteiro que não sabe para onde ir —ou, ao contrário, sabe muito bem onde vai dar, mas precisa encher linguiça até chegar lá.

Dito isso, é comovente a dedicação dos atores a papeis tão vazios, em especial Zé Carlos Machado.

DOMINGO À NOITE

Avaliação Regular

Onde Nos cinemas

Classificação 14 anos

Elenco Marieta Severo, Natália Lage, Zé Carlos Machado

Produção Brasil, 2022

Direção André Bushatsky

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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