Dona Tati, do bar que recebeu o vocalista do Coldplay, vai ocupar o Bar do Alemão

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O casarão amarelo na esquina da rua Conselheiro Brotero com a rua Camaragibe fica lotado tanto dentro quanto fora, seja com pessoas sentadas em mesas ou em pé com um copo na mão. Ao redor de uma roda de samba que embala a noite, rodopiam, dando um passo para lá e outro para cá. Entre elas, Dona Tati vai circulando e comandando sua equipe de atendentes. Seu boteco é um dos motores da boemia no bairro da Barra Funda, em São Paulo.

O espaço do samba é decorado com bandeirolas de chita, peneiras, chapéus e instrumentos musicais. As janelas com fitas do Senhor do Bonfim servem de vitrine para quem acompanha os músicos do lado de fora, sob a bandeira da Camisa Verde e Branco, o primeiro cordão carnavalesco da capital paulista.

Em dias mais movimentados, cerca de 500 pessoas passam por ali. O sucesso é tanto que Dona Tati acaba de dar os primeiros passos para aumentar seu império. Ela adquiriu o tradicional Bar do Alemão, na região oeste, onde também aconteciam rodas de samba, que será reinaugurado como um botequim chamado Canela Preta no final do mês.

“É muita responsabilidade. Me deu pânico”, diz ela quando indagada sobre ocupar o espaço que por 50 anos foi do Bar do Alemão, na avenida Antártica, na região oeste.

Mas não é como se Sebastiana Alves Martins (seu nome de registro), de 67 anos, não tivesse acumulado bagagem.

Nascida na cidade de Estrela d’Oeste, no interior do estado de São Paulo, ela se mudou para a capital aos 13 anos, vivendo como empregada doméstica.

Nos anos 1980, passou a trabalhar num bar com a mãe e com o irmão perto da estação Vergueiro. Daquela época, ela se recordar de ter de trocar fraldas de seus dois filhos debaixo do balcão e de quando eles ainda brincavam de jogar bilhar na ponta dos pés.

Anos depois, saiu do bar e teve outros empregos. Trabalhou em uma casa de fechaduras e em uma bilheteria de transporte público. Depois, voltou a trabalhar com a mãe em um barzinho na alameda Barão de Piracicaba. A partir daí não deixou mais esse universo. Chegou, inclusive, a ter uma mercearia em Itaquera.

Em 2001, Dona Tati abriu um negócio no bairro de Campos Elíseos, em uma esquina na qual ficou durante 16 anos. Ela transformou o lugar em uma rotisseria. Não queria trabalhar com bebida alcoólica por causa de problemas na família. “Mas minha mãe falava que eu ia morrer de fome se não vendesse cachaça”. No fim, pôs cerveja no cardápio.

Nessa época, já tinha a ajuda do filho mais novo, Thiago Martins. Foi ele quem criou o nome pelo qual ela é conhecida hoje, gravado numa placa. Era uma forma de fazer os clientes pararem de chamá-la de tia, algo que sempre a irritava.

“Naquela época, eu era uma mulher preta humilde com um boteco e dois filhos para criar”, afirma. “Não era fácil. Muitas vezes cheguei a fechar o boteco, liguei para a imobiliária e disse para vender”.

Tudo mudou quando o filho mais novo passou a se dedicar integralmente ao boteco, pois não queria que ela encerrasse as atividades. Sua primeira ideia, no final de 2016, foi criar um cardápio de hambúrgueres artesanais. “Isso tirou a gente do buraco”, diz Tati.

Antes disso, já fazia mensalmente Feijoada de Jorge, evento que contava com a participação de gente da velha guarda da Camisa Verde e Branco.

“O samba flertava com o boteco. Ele ia e vinha constantemente”, afirma Thiago. O casamento foi oficializado no início de 2017, quando o gênero musical passou a fazer parte constante da programação.

“A gente precisa evidenciar a nossa ancestralidade, porque quem faz o samba é preto, mas quem frequenta é branco”, diz.

A aproximação com o samba e com as raízes populares mudou a cara do boteco, e ele passou a ficar pequeno demais para tanta gente. Era muito cliente atrás de música, cerveja (R$ 12) e petiscos como bolinhos de mandioca com carne (R$ 40 a porção), sem contar a feijoada de sábado (R$ 120).

Cinco anos atrás, Dona Tati achou um lugar maior, na rua Brigadeiro Galvão, nas proximidades. Quando viu o espaço, ela pensou até que seria grande demais para o negócio. “Demos conta e ficou pequeno”.

Foi em 2021 que o boteco se estabeleceu no atual endereço, na esquina das ruas Conselheiro Brotero e Camaragibe. Os clientes fiéis foram atrás. Chegou até gente famosa.

Em março deste ano, Chris Martin, vocalista da banda britânica Coldplay, aproveitou uma brecha na sua turnê para dar uma conferida. Dona Tati nem sabia quem ele era. Alguém sugeriu uma foto, que no início não queriam tirar. No fim, cederam e o clique fez sucesso nas redes.

A visita atraiu mais curiosos. Hoje não é raro ver quem peça uma foto com Dona Tati -tímida, ela diz que não gosta de aparecer e fazer os cliques. “Quando meu filho veio trabalhar comigo ele me perguntou se eu estava pronta para ser famosa. Eu até ri e olha só o que aconteceu”, diz.

O seu novo empreendimento, no lugar onde funcionou o Bar do Alemão, será uma extensão do Boteco da Dona Tati, com muito samba e choro. “Ele nos dá a possibilidade de construir outras coisas por ter um ambiente mais intimista”, diz Thiago Martins, o filho.

A ideia é que o Canela Preta, que será inaugurado no próximo dia 31, seja um espaço em que as pessoas possam ouvir e se aproximar dos músicos, o que é difícil na agitação do Boteco da Dona Tati.

O local vai até funcionar às segundas-feiras, o que não é comum na cidade. O cardápio ainda está sendo planejado com a certeza de que terá comida brasileira, não alemã.

Dona Tati diz que supervisiona o bar mais de longe, com a ideia de passar aos poucos o bastão para o filho. Mas os dois afirmam que não existe Boteco da Dona Tati sem ela. “Eu não faria o boteco hoje sem minha mãe e ela não faria sem mim, é um conjunto.”

BOTECO DA DONA TATI

R. Conselheiro Brotero, 506, Barra Funda, região oeste; Instagram @botecodadonatati

CANELA PRETA

Av. Antártica, 554, Água Branca, região oeste; Instagram @botequimcanelapreta. A partir de 31/7

VITÓRIA MACEDO / Folhapress

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