‘Doutor Monstro’, com Taís Araujo, vai narrar o crime do cirurgião Farah Jorge Farah

CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Figurantes preenchem as cadeiras do Tribunal do Júri de Curitiba, sob o olhar vigilante de um Cristo crucificado, enorme, esculpido em madeira. Abaixo dele, outra autoridade –um juiz, que rege o set de filmagem de “Doutor Monstro” como figura indispensável, embora discreta, de um gênero pouco explorado no cinema brasileiro.

Um drama de tribunal, o filme, que encerrou as gravações na semana passada, tem boa parte de sua ação confinada às paredes amadeiradas da casa em Curitiba. A cena sendo rodada é longa, de vários minutos de embate entre juiz e réu.

Se distancia dos “ações” e “cortas” que irrompem a cada poucos segundos na maioria dos sets de filmagem. Como pede o gênero, “Doutor Monstro” é construído a partir de diálogos caprichados e verborrágicos, escritos pelo próprio diretor, Marcos Jorge, de “Estômago” e “Mundo Cão”, que também orbitam o mudo do crime.

Com previsão de estreia para o ano que vem, o filme vai recuperar o caso do cirurgião plástico Farah Jorge Farah, que em 2003 matou e esquartejou uma de suas pacientes. Tanto quanto o crime, no entanto, seu caminho pela Justiça e seu desfecho chocaram o país.

“Esse é um true crime incrível, e a primeira versão do roteiro seguia esse tom. Mas focar no crime e no criminoso não me satisfez, e decidi transformá-lo num drama de tribunal. Aí tudo se encaixou. O julgamento é uma história à parte, porque a forma de a Justiça lidar com o crime foi um absurdo”, diz Jorge, durante sua pausa para o almoço.

Após ser condenado a 16 anos de prisão, o médico conseguiu recorrer em liberdade a partir de 2007. Uma nova decisão, que confirmava a pena, saiu apenas uma década mais tarde, mas nunca foi cumprida, já que Farah Jorge Farah se suicidou ao tomar ciência de seu destino.

Marat Descartes, premiado por “Super Nada” e “Trabalhar Cansa”, encarna médico e monstro, e em suas cenas de tribunal dança por um delicado e minado campo de palavras, se contradizendo em meio aos apontamentos do juiz.

“Assim que eu soube que ela era casada, eu decidi acabar com ela”, diz seu personagem sobre a paciente morta. “Com o relacionamento, você quer dizer?”, questiona o magistrado. A linha de defesa de Farah Jorge Farah, réu confesso, incluiu apontar Maria do Carmo Alves como sua amante –versão comprada por muitos, mas nunca devidamente comprovada.

“É um filme com muitas batalhas verbais, difícil de fazer num contexto brasileiro, com pouco dinheiro, poucas diárias, pouco tempo. E queríamos, ainda, tematizar a Justiça brasileira”, diz Jorge, pouco antes de uma manifestação saudosista de apoiadores de Bolsonaro posicionar um carro de som em frente ao set, naquele feriado da Proclamação da República, inviabilizando parte das filmagens.

Não deixa de ser irônico que cantos de “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão” tenham invadido o tribunal onde o crime era ficcionalmente julgado, na mesma cidade que julgou o agora presidente da República há mais de cinco anos.

Uma rápida negociação na porta do set conseguiu atrasar o uso do carro de som, dando mais tempo para que Marcos Jorge finalizasse as gravações daquele dia –mas mal sabem eles quem acabaram ajudando, diziam pessoas envolvidas no projeto, em alusão à presença de Taís Araujo no set.

Vocal contra Bolsonaro nas últimas eleições, a atriz conseguiu uma brecha na agenda apertada que tem com a Globo para ir a Curitiba gravar “Doutor Monstro”. No filme, ela vive a procuradora que tenta condená-lo –uma personagem fictícia, já que na vida real a função foi cumprida por um homem.

“Eu estou querendo fazer mais cinema, e eu estou procurando trabalhar com diretores que eu admiro. Depois de 32 anos de carreira eu fiquei pensando o que fazer agora, é algo que eu tenho me questionado muito no último um ano e meio”, diz ela, que não gosta de true crime ou qualquer tipo de conteúdo ligado à violência –está aí um desafio extra.

“Há muitos assuntos sendo discutidos antes do true crime. O que me seduziu foi justamente poder falar de feminicídio, que era algo que não se falava quando o crime aconteceu. Eu aceitei fazer o filme pensando, também, em prestar um serviço. Espero que não se resuma a um true crime, só porque o gênero está na moda.”

Cometido bem antes que o termo feminicídio passasse a inflar discussões no país, o crime de Farah Jorge Farah não ficará limitado às reconstituições de tribunal. O longa vai mostrar sua relação com a paciente e entrecortar os debates jurídicos com flashbacks e devaneios do réu e também da promotora de Araujo.

Para um deles, ela, que não gosta de ficar submersa, apesar de ter chegado perto de tirar uma certificação para mergulho, precisou entrar numa piscina, sendo capturada pelas câmeras enquanto uma outra atriz valsava nua na sua frente. “Foi terrível”, diz ao revelar a fobia.

Com produção da Zencrane Filmes, “Doutor Monstro” deve estrear apenas no segundo semestre de 2024. Antes disso, Marcos Jorge vai trabalhar na divulgação de “Estômago 2: O Poderoso Chef”, filme que dará sequência ao seu drama premiado, sobre um cozinheiro que conquista uma prisão pelo paladar, lançado no mesmo ano em que o crime de Farah Jorge Farah foi cometido.

Na continuação, mafiosos italianos –e produtores do país– entraram em cena, para tentar reviver o frenesi gerado pelo filme original. “É numa situação extrema como o crime que a humanidade se revela na sua verdade nua e crua”, diz Jorge sobre o fascínio pelo submundo.

*

O jornalista viajou a convite da Zencrane Filmes

LEONARDO SANCHEZ / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS