‘É impossível entender Brasil sem entender a escravidão’, diz repórter na Flip

PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A história dos quilombos do passado e do presente foi o tema do encontro do meio da tarde na Casa Folha, neste sábado (12), em Paraty (RJ), na Flip.

O debate reuniu os jornalistas Tayguara Ribeiro e Marina Lourenço, responsáveis pela série de reportagens Quilombos do Brasil, publicada na Folha. Os dois também são autores do livro “O Grito dos Quilombos – Histórias de Resistência de um Brasil Silenciado”, a ser lançado no dia 7 de novembro pela Todavia.

O livro foi inspirado na série de reportagens, mas traz histórias inéditas também.

Com mediação de Fernanda Mena, repórter especial da Folha, a dupla contou os bastidores das reportagens e discutiu a importância de se conhecer não só a história dos quilombos para além de Zumbi dos Palmares, mas também o panorama atual de ameaças a essas comunidades.

“Ao longo da produção, as pessoas nos perguntavam se ainda existiam quilombos”, disse Ribeiro. “A escravidão é o fato mais importante e definidor do que é o Brasil. Não dá para entender o Brasil sem entender a escravidão –e não dá para entender a escravidão sem saber o que são os povos quilombolas.”

Em seu trabalho, os dois jornalistas abordam os quilombos sob diferentes perspectivas –agrária, religiosa, cultural, gastronômica e outras. Durante a mesa, Lourenço e Ribeiro falaram de forma didática, contaram curiosidades e desfizeram mitos.

A jornalista, por exemplo, lembrou logo no início que, embora sejam maioria, as pessoas negras não são as únicas quilombolas. Com a miscigenação brasileira, há ainda indígenas e, num caso mais raro, brancos.

Eles lembraram como ser quilombola parte de uma autodeclaração, mas explicaram o processo para pedir reconhecimento pelo Estado –um longo processo burocrático, no qual é necessária a titulação de terras, cuja demora acaba expondo tais comunidades a ameaças.

“Por não terem direito ao território [reconhecido], empresas ou fazendeiros se sentem no direito de tomar essas terras, com invasões, ameaças ou violência física”, disse Ribeiro.

Os repórteres contaram casos concretos. Lourenço, por exemplo, lembrou as visitas que fez às comunidades quilombolas em Alcântara, no Maranhão. Nos anos 1980, a Aeronáutica construiu ali uma base para lançamentos de foguetes. Isso gerou uma série de denúncias de violação de direitos dos quilombolas, com a remoção de comunidades da área que criou uma série de prejuízos para elas.

O caso levou o Brasil a ser julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que ainda vai publicar uma sentença sobre o tema. “O Brasil pediu desculpas públicas pela primeira vez, mas não animou as comunidades”, disse Lourenço.

Questionados pela mediadora, eles lembraram a quase total paralisação do processo de reconhecimento das comunidades quilombolas e titulação de terras no governo Jair Bolsonaro. Mas ressaltaram que as comunidades costumam ser críticas a todos os governos, pela lentidão nesse processo.

“No ano passado, foram concedidos 11 títulos de terras. Mas, quando você pensa que existem cerca de 8.000 comunidades e só 5% delas têm o título, 11 por ano é um número bastante insignificante. Nesse ritmo, demoraria 233 anos para titular todos os quilombos”, afirmou Ribeiro.

O jornalista citou como avanço o último censo, que não começou no atual governo, mas tinha travado no anterior. Pela primeira vez, o país levantou números sobre as comunidades quilombolas –fonte dos dados citados no debate.

A conversa terminou com um questionamento vindo da plateia, sobre se a dupla de repórteres descobriu algo que os une aos quilombolas durante o processo de apuração.

“Há muitas coisas que nos ligam, mas vejo muitas diferenças também”, disse Lourenço. “Há questões com a religião, tem o samba… E tem o lado negativo que nos une também: o racismo.”

MAURÍCIO MEIRELES / Folhapress

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