LONDRES, INGLATERRA (FOLHAPRESS) – A maior ação coletiva da história do sistema judiciário inglês começou nesta segunda-feira (21). Advogados de cerca de 620 mil vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG) tentam provar a responsabilidade civil da multinacional BHP, nove anos depois da tragédia.
“A lei brasileira prevê o que chamamos de quem polui, paga, portanto, responsabilidade legal,” disse à Folha Tom Goodhead, CEO do escritório que representa o grupo e é especializado em ações em direito ambiental e direitos humanos contra grandes conglomerados.
“Se você é um poluidor, ganhou bilhões de dólares com a extração de minério de ferro em Minas Gerais, lucrou com isso. Eles [BHP] supervisionavam, indicavam pessoas para o board da Samarco. Eles tomavam decisões na Austrália sobre se aumentariam a produção versus a segurança. Se você tem todos os benefícios de algo como resultado de ser uma indústria de extração, se algo dá errado, é hora de pagar por isso.”
No dia 5 de novembro de 2015, o rompimento de uma barragem de rejeitos da mineração operada pela empresa Samarco, pertencente à anglo-australiana BHP e à brasileira Vale, provocou o vazamento de cerca de 44 milhões de metros cúbicos de lama tóxica. A enxurrada percorreu 675 km, atingiu o rio Doce e chegou ao oceano Atlântico, matando 19 pessoas e destruindo vilarejos, no maior desastre ambiental da história brasileira. Quase nove anos depois, ninguém foi responsabilizado criminalmente.
O julgamento é realizado em Londres porque a multinacional era sediada no Reino Unido na época do rompimento da barragem. A defesa das vítimas vai alegar que a BHP sabia dos riscos de rompimento da barragem e deve responder pelos danos.
“Veremos durante este julgamento, através de testemunhas da BHP, além de evidência documental, em emails e documentos da empresa, que existe um padrão consistente de priorizar lucro em vez de segurança,” disse Goodhead.
Os pedidos de indenização poderiam chegar a 36 bilhões de libras, quase R$ 270 bilhões em valores de hoje.
Em nota, a BHP afirmou que “vai continuar a defender que esta ação é desnecessária porque repete assuntos já cobertos pelos esforços de reconstrução e processos legais em andamento no Brasil”.
A Fundação Renova, mantida por Samarco, Vale e BHP, diz já ter gasto R$ 37 bilhões em ações de remediação e compensação. Na última sexta-feira (18), a Vale disse que os termos gerais do acordo de reparação no Brasil preveem o pagamento de cerca de R$ 170 bilhões em recuperação das áreas, indenizações e programas compensatórios.
Goodhead nega que haja duplicidade nos dois processos.
“A BHP é como Donald Trump, que diz que as eleições [americanas] foram roubadas. Se disser isso muitas vezes, as pessoas começam a acreditar. Não existe duplicidade. O caso no Brasil não é de autoria das vítimas, tem como autores o poder público federal e busca compensação financeira principalmente para o governo federal brasileiro e estados. Nenhum dos 620 mil clientes que estão nesta ação de hoje [no Reino Unido] estão no caso do Brasil,” afirmou.
“A BHP alega que, das 620 mil pessoas, cerca 200 mil delas receberam algo. A maioria recebeu compensação em torno de 200 dólares. É imoral”, acrescentou.
Apesar de ser realizado na corte inglesa, a base legal é o direito ambiental brasileiro. Goodhead diz considerar o julgamento “monumental, por ser a chance de responsabilizar a maior mineradora do mundo pelo que fizeram”.
“A BHP lutou por quatro anos para tentar que o caso não fosse julgado aqui. O motivo é que a Justiça inglesa tem a tradição de responsabilizar grandes empresas. Não somos contra a mineração, não queremos dizer que não é necessário. Estamos tentando mostrar o que diz a lei: quem polui, paga se algo der errado. É parte do contrato. Você precisa fazer a coisa certa. Você precisa remediar, compensar, e essas operações de mineração devem sempre ser as mais seguras possíveis.”
O julgamento vai até 5 de março de 2025 com depoimentos, apresentação de evidências e testemunhos de especialistas em direito civil, societário e ambiental brasileiros e em questões geotécnicas. A sentença é esperada para meados do ano que vem.
Caso a BHP saia derrotada, uma próxima etapa seria definir ao valor da indenização e para quem.
“Um final bem-sucedido seria provar a responsabilidade deles e que eles prestem contas disso o mais rápido possível,” disse Goodhead. “Estamos muito otimistas.”
MARINA IZIDRO / Folhapress