É preciso expor a violência doméstica, diz atriz Leticia Birkheuer em volta ao teatro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ela não anda. Ela desfila. Leticia Birkheuer, de 46 anos, surge imponente, assim que as portas do elevador se abrem, como as cortinas na boca de cena. A atriz e modelo então leva seu 1,81 metro de altura até uma poltrona, no saguão do hotel onde está hospedada, no Itaim Bibi, na zona sul da capital paulista. “É um respiro voltar ao teatro”, diz. “Precisava voltar a trabalhar. O artista precisa estar sempre em movimento.”

Sua atuação como Cindy na peça “Manhattan”, que estreia nesta sexta-feira no Teatro Nair Bello, marca a volta da artista aos palcos, desde que seu nome foi parar, há dois meses, nas páginas policiais. Birkheuer foi até a delegacia para acusar seu ex-marido, o empresário Alexandre Furmanovich, de tê-la agredido verbalmente num restaurante. À polícia, a atriz disse ainda ter sofrido, no período do casamento, de 2011 a 2013, uma rotina de ameaças.

A defesa de Furmanovich não respondeu aos pedidos de entrevista. Em maio, a coluna Mônica Bergamo publicou uma nota da defesa, rebatendo as acusações da artista. Na versão de Furmanovich, os dois tiveram, no restaurante, apenas uma discussão acalorada, porque Birkheuer não teria respeitado uma decisão judicial, que a obriga estar acompanhada de uma psicóloga nas visitas ao filho de 12 anos. A defesa afirmou que o menino estava no banheiro no momento da briga.

Birkheuer, porém, tem outra versão. “O que me chateou foi ter sido na frente do meu filho”, ela afirma. “Qual é o exemplo que um pai dá a uma criança agredindo a mãe na frente dele?”. Na época, Birkheuer fez um vídeo para o Instagram, expondo o ocorrido e os motivos que a levaram a procurar a polícia. De acordo com a gravação, Furmanovich teria dito que só não quebraria a cara da ex-mulher porque o filho estava no local. O tom se assemelhava, segundo Birkheuer, às ameaças durante o casamento.

“Quando acontece uma coisa dessas, dou um exemplo bacana para as mulheres de que não podemos nos calar diante de nenhum tipo de violência”, diz ela. “Se estou me expondo, qualquer pessoa pode expor a violência doméstica.” Furmanovich administra, com o irmão, a empresa de sua mãe, Silvia, uma designer de joias.

Desde que se separou, o casal briga na Justiça por assuntos relativos à guarda do filho. Há dois anos, Birkheuer usou o mesmo Instagram para criticar a maneira como Furmanovich estava cuidando do garoto. Como resultado, o empresário apresentou uma queixa-crime por difamação. Desde 2022, ele tem a guarda do menino.

Em respeito ao filho, Birkheuer evita agora falar do seu segundo marido, mas não esconde a tristeza de ter perdido a guarda. “Foi um choque. Estava acostumada a morar só eu e ele. A gente era muito unido. Numa certa idade, a criança passa a querer viver com o outro lado”, diz.

Nesse contexto, voltar à cena é também recomeçar a vida. Por ironia, Cindy, sua personagem, é uma jovem que inicia a carreira de atriz. Escrita por Paulo Emílio Lisboa e dirigida por Maurício Guilherme, a peça “Manhattan” tematiza o mundo do cinema americano, sobretudo a disputa entre os artistas.

Em cena, todos estão nos anos 1950, em Nova York, época de glamour e disputa pela fama. O escritor Sr. Williams, papel de Anderson di Rizzi, está sendo pressionado para entregar seu novo filme. Ao lado de seu amigo, o ator John Puccini, papel de Lisboa, o roteirista recebe as visitas de diferentes atrizes, que se candidatam ao elenco da obra, desde a veterana Emily, interpretada por Cynthia Falabella, à aspirante Deise, personagem de Priscila Sol, e a própria Cindy, uma jovem sedutora. O trio faz de tudo pela fama e a sorte no amor.

Em sua carreira, Birkheuer se tornou uma das principais modelos brasileiras no mundo. Ela foi descoberta, ainda adolescente, quando jogava vôlei, numa das quadras de sua cidade-natal, Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. Filha de um bancário, ela se mudou para Nova York, onde viveu por um tempo com a sua mãe. Depois, dividiu um apartamento com outras meninas e então viu de tudo, num tempo de sexo, drogas e rock’n’roll.

Sua ascensão no mercado foi meteórica, logo que apareceu, em 2002, com biquínis curtíssimos nas passarelas da Victoria’s Secret. Em seguida, emendou campanhas de beleza para Dior, Chanel e Armani. Se o mundo da moda anda mais inclusivo, ela penou para se encaixar no peso exigido pelas grifes. “A gente ficava sem comer mesmo”, diz. “Você me acha magra? Eu tinha nove quilos a menos.”

Ela, que estampou uma das edições mais disputadas da Playboy, nunca se incomodou com o assédio masculino. “Eu me sentia um cabide. Eu sou um corpo vendendo um produto. Eu não sou a Leticia”, afirma. “Não tem vaidade.”

Em 2005, Birkheuer pôs a vida de modelo em suspenso para estrear como atriz na novela “Belíssima”, de Silvio de Abreu. Birkheuer conta que os atores jovens questionavam a presença de uma modelo no elenco, embora ela fizesse cursos intensivos de atuação. A atriz ainda estaria em “Pé na Jaca”, “Desejo Proibido” e “Império”.

Sua estreia no teatro ocorreu há 11 anos, com a peça “Até o Sol Nascer”, que tematizava o submundo da moda, tratado, segundo ela, com exagero pela ficção. “Nunca ouvi falar em book azul ou book rosa”, diz ela, mencionando expressões que designam o trabalho de modelos como acompanhantes de luxo.

“Mas também tem uma coisa, né? A minha carreira não foi feita no Brasil. Foi internacional.”

Birkheuer está afastada das novelas, segundo ela, porque não recebeu mais nenhum convite. Para o futuro, a atriz não descarta a televisão. “Eu pretendo tudo. Dosto de experimentar coisas diferentes”, diz. “Sempre fui um pouquinho metida.”

MANHATTAN

Quando: Sex., às 21h; sáb., às 20h; dom., às 18h. Até 28 de julho

Onde: Teatro Nair Bello – r. Frei Caneca, 569, São Paulo

Preço: R$ 100

Classificação: Não informada

Autoria: Paulo Emílio Lisboa

Elenco: Anderson Di Rizzi, Letícia Birkheuer, Cynthia Falabella

Direção: Mauricio Guilherme

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

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