É preciso se comunicar melhor com jovens, diz fundadora alemã do ‘Vovós contra a Extrema Direita’

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Aconteceu aqui mesmo”, diz a aposentada alemã Anna Ohnweiler, 74, gesticulando para um espaço atrás dela durante uma ligação por vídeo. “Bem na minha sala de estar, em 2019. Tomamos café, comemos apfelkuchen [bolo de maçã] e fundamos a associação.”

A associação, no caso, é a Vovós contra a Extrema Direita (Omas gegen Rechts, em alemão), grupo ativista que reúne idosas aposentadas em toda a Alemanha preocupadas com a ascensão da extrema direita no país europeu. Elas organizam protestos de rua e ações coletivas com o objetivo de barrar o crescimento eleitoral desse campo político.

Recentemente, as vovós voltaram às manchetes da imprensa alemã quando conseguiram convencer um dos maiores bancos do país a fechar a conta por meio da qual o partido de extrema direita AfD (Alternativa para a Alemanha) recebia doações de campanha. A organização coletou mais de 30 mil assinaturas e se reuniu com o banco, que, se não fechou a torneira da AfD, ao menos dificultou o processo.

Anna teve a ideia de fundar o grupo em 2018. “Acordo sempre muito cedo e gosto de ler o jornal pela manhã. Um dia, li sobre um extremista na Áustria que dizia que pessoas velhas demais para trabalhar deveriam pelo menos aprender a tricotar para ainda serem úteis à sociedade. Pensei na hora: já ouvimos falar disso no terceiro Reich”, conta Anna, lembrando que o regime de Adolf Hitler também considerava algumas pessoas “inúteis para a sociedade”, que acabaram mortas em campos de concentração.

A partir daí, Anna entrou em contato com uma organização austríacas de idosas que protestavam contra a extrema direita e criou um grupo no Facebook inspirado nelas em janeiro de 2018. “O que as vovós austríacas podem fazer, nós vovós alemãs também podemos”, explica à Folha a ativista septuagenária, que trabalhou como professora e diretora escolar antes de se aposentar.

O grupo cresceu desde então —hoje, são 250 organizações regionais de vovós em toda a Alemanha, com mais de 30 mil membros. “São grupos autogeridos que organizam protestos locais. Não temos uma hierarquia, não existe ‘uma chefa’ nem nada disso”, diz Anna, rindo. “Mas quando precisamos organizar um protesto maior, os grupos se comunicam e perguntam ‘quem pode nos ajudar?’, e é assim que a gente faz.”

Quando o movimento passou a chamar a atenção da mídia e da sociedade civil, Anna e outras vovós resolveram fundar uma associação que pudesse organizar doações e lidar com os aspectos financeiros e jurídicos do grupo. Assinaram os papéis na casa de Anna em Nagold, pequena cidade com 23 mil habitantes no sudoeste da Alemanha.

“As ameaças também aumentaram”, diz a aposentada. “O candidato da AfD a governador na Saxônia disse em um discurso que, se chegasse ao poder, ia remigrar as Vovós contra a Extrema Direita”, afirma Anna. Remigração é o eufemismo usado pelo partido para seu projeto de deportações forçadas de pessoas que têm direito de morar na Alemanha. “Não sei para onde ele queria nos mandar. O Brasil tem espaço para a gente?”, brinca a ativista.

Já o líder da AfD no estado da Turíngia, Björn Höcke, um dos nomes mais importantes do partido, disse em setembro que as vovós contra a extrema direita “recebem aposentadorias generosas e podem se dar ao luxo de viver no seu mundo de fantasia multicultural” —mas que seus netos são “o motor de um verdadeiro divisor de águas moral e intelectual”, fazendo referência aos bons resultados de seu partido entre a juventude nas eleições regionais de setembro no leste da Alemanha.

A nova popularidade da extrema direita entre os jovens europeus desafia interpretações de cientistas políticos e causa apreensão entre grupos ativistas como a Vovós contra a Extrema Direita. “Tomei um susto quando vi a idade dos eleitores [da AfD]”, diz Anna —a sigla foi a mais votada entre pessoas de 18 a 24 anos nos estados da Turíngia e Saxônia, que foram às urnas em setembro. “Antes, eles costumavam ser fortes entre os idosos. Agora há tantos jovens com a AfD que chega a dar medo.”

Para ela, o interesse dos jovens pela extrema direita só vai ser revertido quando os partidos democráticos melhorarem a comunicação com a juventude. “É preciso dizer: ‘crianças, nós estamos fazendo de tudo para que vocês tenham um bom futuro’. Mas os políticos não fazem isso. Eu falo sempre com meus netos. É preciso dizer que não tem do que ter medo, porque a AfD prospera nesse ambiente de medo.”

“Eu sou uma pessoa que valoriza muito o artigo primeiro da Constituição alemã: a dignidade da pessoa humana é inviolável”, diz Anna —a carta magna em vigor foi escrita em 1949 e pensada para se distanciar o máximo possível do nazismo. O artigo completo é interpretado como a razão de ser do Estado alemão: proteger a dignidade do ser humano. “Não está escrito ‘a dignidade da pessoa alemã’, da pessoa branca ou negra, do homem ou da mulher, isso é irrelevante. O importante é a pessoa humana.”

VICTOR LACOMBE / Folhapress

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