Ed Motta lança ‘Behind the Tea Chronicles’, primeiro álbum em cinco anos

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma cantora sofre pressões e manipulações pelo prefeito e os mafiosos de uma cidade, que lhe fazem promessas profissionais. “Sweet Nancy”, diz a canção “Gaslighting Nancy”, do músico Ed Motta, “why do you have such hope?”

“É sobre uma cantora que é manipulada pelas pessoas poderosas de uma pequena cidade, que lhe prometem uma carreira que nunca acontece. Ela sofre o “gaslighting” de todas as pessoas que estavam envolvidas [com elas]”, conta o autor da letra e da música, uma das onze canções de “Behind The Tea Chronicles”, primeiro álbum de estúdio do músico em cinco anos.

Se os cinéfilos e os amantes da Era de Hollywood encontraram qualquer semelhança entre a Nancy de Ed Motta e a Paula vivida por Ingrid Bergman no filme “Gaslight”, clássico do melodrama noir dirigido por George Cukor nos anos 1940, não se trata de mera coincidência. A letra é inspirada no filme. Assim como acontece com as dez canções, que partem de filmes e séries clássicas.

“A referência é mais o cinema mesmo”, conta o compositor. “As letras têm uma densidade, uma dramaticidade, um elemento mais cinematográfico.”

Dessa época de ouro do cinema de Hollywood, que vai dos anos 1930 até o começo dos anos 1960, tem uma paixão especial pela comunhão entre a música e o cinema. “É uma época de ouro de tudo. A eloquência musical dessa época. O cinema comungava com uma canção, uma melodia”, afirma.

No caso de seu álbum, a comunhão foi das letras com a melodia, ao longo de três anos de trabalho, desde os primórdios da criação até a pós-produção. O período extenso se deu em decorrência da pandemia. Por conta da obesidade, o artista teve que tomar um cuidado extra no período da Covid-19.

“Tive um tempo que jamais teria em normalidade. Nunca pude me dedicar a um disco como dediquei a este disco”, conta. “Tive três anos para mergulhar nas histórias, nos roteiros das músicas, que são letras que têm função de roteiro.”

Cada canção traz em si uma história, como se fosse um conto ou uma crônica —não por acaso o título do álbum. A ideia de trazer o universo cinematográfico e a dramaturgia televisiva veio depois de compostas as melodias.

Em busca da letra, o compositor se deparava com um universo que o remetia à Nouvelle Vague, o gênero francês dos anos 1960, como no soul-funk “Safely Far” e do cinema noir, o mais presente no álbum, como seus personagens mafiosos e suas complicadas histórias de amor.

Aqui o vemos embalado pelo soul, jazz e samba, em orquestrações complexas. O blues “Shot In The Park” —homenagem ao músico Donald Fagen e à banda Steely Dan— narra de maneira ambígua o envolvimento entre um mafioso e um homem. Bem noir.

Motta conta que a atmosfera das canções —todas em inglês— foi dado pela escolha das palavras, selecionadas à pinça. “Dediquei um tempo às letras, o mesmo que às músicas, escolhendo palavras.”

O músico conta que compor as letras e criar as melodias é a parte menos trabalhosa. “Num dia eu faço as letras, num segundo dia eu faço a revisão. Levam exatamente dois dias. Não é barroca a criação, como é o processo do disco. Aí é ‘Capela Sistina’. Dizem que não existe a perfeição. [Mas eu acredito que] O perfeito existe para cada um de nós.”

Para atingir o nível da virtuose, Motta conta que trabalha na “transpiração no mil”. “É uma trabalheira tipo loucura”, ele conta. Num mercado, porém, que já não conta com as grandes orquestras e condições de trabalho para um artista com seu nível de exigência. “[Trabalhar assim] É ser um Kamikaze”, ele conta.

A cantora Nana Caymmi diz que o cantor de verdade gosta mesmo é de estúdio e Motta não foge à regra. Para ele, os shows são um suplício tão grande quanto para o finado gênio da canção brasileira João Gilberto. Não que não goste do público ou qualquer coisa do tipo. Sofre, porém, por conta da busca pela perfeição.

“O show é: vai em uma hora e faz ‘Cidadão Kane’ [obra-prima de Orson Welles]. Que isso, meu Deus? Os pintores não fizeram [as telas] na hora, os pintores. A obrigatoriedade de fazer na hora um negócio que tem um processo muito complexo.”

Mesmo assim, o artista segue com a agenda cheia, dentro e fora do Brasil. No ano que vem, fará uma turnê por Europa e Ásia com o novo álbum. A crítica às plateias brasileiras o levou a ser “cancelado” recentemente, o que ele trata no humor.

“Sobrevivi bem. Fui cancelado desde o colégio. Desde moleque. Cresci habituado com isso. É mais fácil a vida sem isso. [Mas] Eu não tenho como impedir o rumo natural das coisas.”

“Why do you have such hope?”

DANILO THOMAZ / Folhapress

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