Educação tem se mostrado ineficaz na redução das desigualdades, diz pesquisador

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Martin Carnoy é uma grande referência norte-americana na área de estudos econômicos voltados para a educação.

Formado em engenharia elétrica pela Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia), ele fazia o doutorado na Universidade de Chicago quando recebeu de T. W. Schultz, futuro Nobel de Economia, a sugestão de estudar os custos e retornos da educação no México -seria, segundo conta, o primeiro trabalho de economia da educação em um país em desenvolvimento.

Coordenador do Centro Lemann de Empreendedorismo e Inovação Educacional na Universidade de Stanford, centro de pesquisa voltado para ajudar a transformar a educação do Brasil, ele aponta que o sistema educacional tem se mostrado ineficaz na redução das diferenças de renda e riqueza.

Segundo Carnoy, quando a sociedade cria condições em que os mais desfavorecidos têm que trabalhar muito mais para superar preconceitos e falta de recursos, isso significa que a coletividade não tem como prioridade que esses membros tenham sucesso.

PERGUNTA – No Brasil, há quem acredite que a educação é a solução para resolver toda a exclusão social existente na sociedade. Até que ponto um sistema educacional eficaz pode promover o progresso social? E quais são os limites?

MARTIN-CARNOY – Um sistema educacional eficaz pode promover o progresso social no sentido de que pode levar todos os membros da sociedade a níveis de conhecimento que os ajudem a tomar decisões mais sábias e, provavelmente, a obter empregos mais produtivos, se esses empregos estiverem disponíveis. Também pode tornar as pessoas mais tolerantes umas com as outras. No entanto, o sistema educacional, como tal, tem se mostrado bastante ineficaz na redução das diferenças de renda e riqueza ou até mesmo nas diferenças de desempenho acadêmico e níveis educacionais atingidos entre ricos e pobres, áreas rurais e urbanas, e entre grupos raciais e étnicos.

A razão para isso é muito simples: o sistema educacional é designado na maioria das sociedades para ser um dos principais alocadores da posição econômica e social. Para que a educação superasse as diferenças, seria preciso dedicar muito mais recursos educativos aos excluídos, mas as camadas dominantes, que controlam mais riqueza, não querem voluntariamente ceder seus recursos para criar uma maior igualdade. Eles têm muito poder para resistir, incluindo a ameaça de que não investirão seus recursos de outras maneiras que aumentem o crescimento econômico, o que também é importante para a melhoria social.

P. – Na sua opinião, quais são as principais medidas que o Brasil deveria adotar para melhorar a educação básica?

MC – A chave é melhorar o ensino na sala de aula: capacitar os professores a níveis razoavelmente altos de conhecimento do conteúdo das disciplinas que ensinam e a níveis razoavelmente altos de conhecimento pedagógico do conteúdo -formas eficazes de ensinar as disciplinas- e gestão de sala de aula -que inclui garantir que todos os alunos em todos os níveis de aprendizado estejam totalmente engajados no processo de aprendizagem.

Elevar a formação de professores a um novo patamar não é tão simples como parece. A preparação de professores está agora sob controle das universidades, atores autônomos que podem definir a formação de professores, e o desenvolvimento profissional está sob controle dos estados e municípios e consiste principalmente em cursos curtos de baixa qualidade que não mudam realmente o comportamento dos professores em sala de aula.

Institutos como o Banco Mundial argumentaram que para melhorar o ensino no Brasil é necessário recrutar uma força de trabalho de professores mais academicamente qualificados. Não concordo com esse argumento. Nossa experiência com o Programa de Especialização Docente (PED), que trabalha com mais que 30 universidades, tem mostrado que a maioria dos professores e futuros professores pode ser capacitada para níveis de habilidade muito mais altos reformando os programas existentes.

P. – Na sociedade brasileira também há uma grande desigualdade educacional quando levamos em consideração a classe social e a raça. Que políticas o sr. acredita que poderíamos ter para mudar essa situação?

MC – Eu acredito que uma política-chave é disponibilizar muitos mais recursos humanos e físicos para as classes sociais mais baixas, especialmente em municípios mais pobres e com mais população negra. Inclinar a curva de recursos de forma que distritos escolares mais pobres e mais negros, por exemplo, recebam 50% mais recursos do que distritos mais ricos e mais brancos. Isso não é algo impossível: o Chile está atualmente seguindo essa política, concedendo vouchers escolares muito maiores para estudantes de baixa renda do que para estudantes de renda média e alta. Os Estados Unidos, sob políticas de “adequação educacional” ditadas pelos tribunais, também estão aumentando significativamente o financiamento por aluno em distritos de baixa renda.

Outra política é melhorar os cuidados de saúde, nutrição e educação infantil disponíveis para crianças de baixa renda. Uma terceira política são programas extracurriculares e de verão [período de férias nos EUA] para estudantes de baixa renda e negros, que lhes permitem ter experiências academicamente enriquecedoras fora da escola. Estudos têm mostrado que estudantes de baixa renda ficam para trás durante o verão e nunca conseguem acompanhar completamente. Outra política é ação afirmativa nas universidades. Isso ajuda a igualar oportunidades na força de trabalho.

P. – No que diz respeito mais especificamente à desigualdade racial, o hiato de aprendizado entre brancos e negros está se ampliando. Que tipo de política poderíamos adotar para transformar isso?

MC – De acordo com nossa pesquisa, dois problemas principais são que municípios de classes sociais mais altas -e escolas de classes sociais mais altas dentro desses municípios- estão obtendo maiores ganhos nas pontuações das avaliações e que, além disso, mesmo ao controlar esses ganhos diferenciados de classe social, municípios com altas porcentagens de estudantes negros estão tendo menores ganhos nas pontuações do que municípios com baixa porcentagem de estudantes negros.

Uma razão pode ser que municípios de baixa renda, com alta porcentagem de negros, exigem muito mais recursos para produzir os mesmos ganhos, mas atualmente estão carentes desses recursos. Essa falta de recursos provavelmente inclui a capacidade de gestão para lidar com os desafios sociais enfrentados pelas escolas.

É muito comum alguns serem contra a política de cotas sociais e raciais nas universidades e dizer que deveríamos melhorar a educação básica. O sr. concorda?

Não. As cotas funcionam para aumentar a igualdade de oportunidades em sociedades que sistematicamente excluíram estudantes de baixa renda e negros dos níveis mais altos de educação, especialmente das partes elitizadas do sistema de ensino superior. Mas cotas não significam que você ignora a melhoria educacional e outras políticas sociais necessárias.

P. – Até onde o sr. acha que vão a responsabilidade individual e a coletiva nos resultados atingidos em um país tão desigual quanto o Brasil?

MC – Sempre há espaço para o ser humano se autoaperfeiçoar -para tomar melhores decisões e se tornar a “história de sucesso contra chances difíceis”. A tendência em nossas sociedades democráticas é enfatizar a responsabilidade da família em proporcionar aos filhos a capacidade de trabalhar duro e usar as instituições para progredir, e, da mesma forma, colocar a responsabilidade nos jovens de serem bons alunos, trabalharem duro e terem sucesso. Mas se a sociedade coletiva cria condições em que aqueles com poucos recursos têm que trabalhar dez vezes mais para superar a falta de recursos e preconceitos. Isso significa que a coletividade realmente não quer que esses membros de poucos recursos da sociedade tenham sucesso. Mudar as condições em que grupos com poder desigual competem é uma tarefa enorme. Também é uma tarefa política. O Estado deve agir para fazer essa mudança acontecer -os indivíduos não podem fazer isso sozinhos.

RAIO-X

Martin Carnoy, 84

Nasceu em Varsóvia, na Polônia, formou-se em engenharia elétrica pela Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e é PhD em economia pela Universidade de Chicago. Professor da Fundação Lemann de Educação na Universidade de Stanford. Já escreveu mais de 40 livros e 150 artigos sobre o valor econômico da educação e sobre a economia política das políticas educacionais. Em “A Vantagem Acadêmica de Cuba: Por que seus Alunos Vão Melhor na Escola”, lançado no Brasil em 2009, compara experiências em salas de aula cubanas, chilenas e brasileiras. Seu mais recente livro é: “The Political Economy of Education” (A economia política da educação, 2024, não publicado no Brasil).

MICHAEL FRANÇA / Folhapress

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