SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Este deve ser o ano da grande retomada. Os últimos 365 dias não foram um respiro, mas uma tragada de ar a plenos pulmões, sem máscaras que abafassem o oxigênio. É assim que o efervescente 2023 se consolidou para o setor cultural, depois de um antecessor ainda hesitante de novas variantes da Covid-19 –e esse impulso promete se consolidar em 2024.
Prova disso foi a multiplicação dos festivais de música, abarrotados de fãs enérgicos e sedentos para ver seus ídolos internacionais, que já têm edições confirmadas para os próximos meses –como é o caso de Lollapalooza, Rock in Rio, Primavera Sound e C6 Fest, entre outros.
O efeito nostalgia, que ressuscitou grupos nos palcos como NX Zero, Restart e Titãs, deve se intensificar em 2024. Jonas Brothers, Simple Plan e McFly, bandas que arrasaram corações adolescentes na década de 2000, já têm apresentações confirmadas no Brasil, assim como ícones da década de 1980 como Slash, Men at Work, Morrissey e Iron Maiden, que estará em turnê mundial. Enquanto isso, segue vivo o burburinho de que Madonna, em turnê com “Celebration”, poderia passar pelo Brasil.
A fórmula do The Town, que aposta na experiência do festival, montado quase como um parque de diversões e cheio de marcas, deve se repetir no Rock in Rio, em setembro, que já tem Ed Sheeran e Imagine Dragons confirmados.
O Blink-182, que cancelou sua apresentação no Lollapalooza do ano passado de última hora, estará na próxima edição do festival, junto das bandas Arcade Fire e Paramore –mais uma atração para quem quer reviver a década de 2000.
Os artistas brasileiros não ficam para trás e vêm se afirmando como atrações principais dos festivais. Jão, Ivete Sangalo e Ludmilla estão escalados para o Rock in Rio e também vão protagonizar, em uma movimentação rara, shows em estádios pelo país nas suas turnês individuais marcadas para 2024.
Enquanto isso, Anitta e Pablo Vittar devem lançar novos álbuns de estúdio, assim como o aguardado disco de Billie Eilish, que levou o Autódromo de Interlagos ao êxtase no ano passado.
Falando em palcos, o ano que passou foi de perdas trágicas para o teatro, com a saída de cena dos dramaturgos José Celso Martinez Corrêa e Aderbal Freire-Filho. Ainda assim, o número de peças em cartaz estava a todo vapor, e títulos como “Tom na Fazenda”, de Armando Babaioff, e “Bruxas de Salém”, dos Satyros, deixaram as bilheterias movimentadas –fator essencial para um meio ainda muito dependente de leis de incentivo.
As próximas peças devem perpetuar essa agitação, como “A Mulher da Van”, adaptação de “The Lady in the Van”, do britânico Alan Bennett, que marcará o retorno de Nathalia Timberg, estrela das telinhas, aos palcos. Já Claudia Raia dará vida a Tarsila do Amaral no musical “Tarsila, A Brasileira”, com estreia marcada para dia 25 de janeiro.
A Mostra Internacional de Teatro de São Paulo está programada para março, no que será a primeira edição normalizada do evento após a pandemia, enquanto o Theatro Municipal abrirá a temporada de óperas com “Madama Butterfly”, de Puccini, e apresentará outro clássico, “Nabucco”, de Giuseppe Verdi, em setembro.
Outros grandes acontecimentos serão os 25 anos da Sala São Paulo e os 70 anos da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, que também iniciará as comemorações em março com Beethoven e Brahms regidos por Thierry Fischer –no total, serão 120 apresentações neste ano.
Já o mundo das artes foi revitalizado pela 35ª Bienal de São Paulo, a primeira desde a pandemia a ocorrer sem restrições e que fez história com um elenco formado, em sua maioria, por artistas não brancos, catapultando novos nomes para o mercado das galerias.
É um prelúdio do que será a Bienal de Veneza, que terá Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, como curador e primeiro nome latino-americano a ocupar o cargo –e que já anunciou que a 60ª edição italiana será a celebração de artistas estrangeiros, outsiders, queer e indígenas.
Glicéria Tupinambá será a representante brasileira na cidade flutuante, depois de ganhar destaque ao criar um manto de penas, fruto da análise técnica do manto tupinambá do século 17 que voltará ao Brasil nos próximos meses, após a devolução do Museu da Dinamarca. O acontecimento se insere no debate sobre repatriação de relíquias, que não deve parar de inflamar museus pelo mundo tão cedo.
O manto será recebido pelo Museu Nacional, no Rio de Janeiro, que promete reabrir uma pequena área já em setembro enquanto segue a reforma do prédio que pegou fogo em 2018.
Em dezembro, o museu angariou R$ 90 milhões a serem captados via Lei Rouanet, que deve ter um novo decreto anunciado pelo governo Lula. Além de um novo orçamento, é esperado que o Ministério da Cultura crie mecanismos para descentralizar verbas, ainda muito concentradas no sudeste do país –onde estão a maioria das empresas que incentivam projetos culturais em troca de incentivos fiscais.
No segundo semestre, o Masp vai inaugurar seu novo prédio, que se conectará ao icônico edifício criado por Lina Bo Bardi através de uma galeria subterrânea. Com a expansão, o museu vai exibir mais de seu acervo pessoal, hoje com mais de 11 mil peças, e poderá receber 2 milhões de visitantes ao ano –volume semelhante ao de museus de arte em Paris, Nova York e Londres.
A boa oxigenação não significou ausência de problemas. O ano que passou foi marcado pela maior greve da história de Hollywood, em que roteiristas e atores paralisaram a indústria cinematográfica por metade do ano, exigindo transparência, melhores condições salariais e o fim de brechas contratuais que, na prática, permitiriam sua substituição por inteligência artificial.
Mas grandes lançamentos ocorreram mesmo assim, e “Barbie” e “Oppenheimer”, que agitaram as salas de cinema –que ainda não recuperaram o movimento pré-pandemia, mas se fortaleceram– são favoritos em várias categorias do próximo Oscar.
As sementes da greve já começaram a germinar, e a Netflix anunciou a divulgação semestral de seus dados de audiência, movimento inédito desde o início da era dos streamings, com poder para balançar a indústria.
Em seu ano de centenário, o saldo não foi feliz para a Disney e a sua Marvel, estúdios que dominaram as salas de cinema na última década com filmes de heróis que, neste ano, não vingaram. Ainda assim, “Deadpool 3” é uma aposta ao lado de “Divertidamente 2”, num 2024 em que “Coringa 2”, produzido pela Warner e a DC, com Lady Gaga no papel de Arlequina, é provavelmente a estreia mais aguardada.
Tirando “Furiosa”, um derivado de “Mad Max” de George Miller, as sequências dominam as estreias por ora, e a continuação de “Duna”, de Denis Villeneuve, e “Gladiador”, de Ridley Scott, engrossam a lista.
Enquanto paira no ar a possibilidade de a Warner comprar a Paramount e promover uma fusão de estúdios e plataformas de streaming, a série “Fallout” estreará no Amazon Prime Video, junto a novas temporadas de “Bridgerton”, da Netflix, e “A Casa do Dragão”, da HBO Max.
A tendência das sequências se repete para o cinema nacional, que luta para atingir a marca de 1 milhão de espectadores nas salas, usando a nostalgia como estratégia. Continuações de “Nosso Lar” e “O Auto da Compadecida” já estão no calendário, enquanto existe a expectativa de que o governo Lula sancione a cota de tela para obras nacionais no parque exibidor, acusado de dar preferência aos blockbusters estrangeiros.
Não que esteja fácil para as salas de cinema. Nos próximos meses, o Cine Marquise e o Belas Artes, importantes salas do circuito em São Paulo, vão precisar encontrar novos patrocinadores.
Os folhetins não passam por um aperto tão trágico, mas fazem apostas entre o seguro e o arriscado. Aguardadíssimo pelo público, o remake de “Renascer” vai ao ar no final de janeiro. Como “Pantanal”, o drama violento na zona cacaueira de Ilhéus, na Bahia, promete chamar mais a atenção que “Elas por Elas”, exemplo recente de trama reciclada que não deslanchou.
As plataformas de streaming internacionais também seguem penetrando no gênero. As novelas “Dona Beja”, com Grazi Massafera como protagonista, e “Beleza Fatal”, com Camila Pitanga, vão estrear na HBO Max, enquanto o Globoplay prepara sua “Guerreiros do Sol”.
No mercado editorial, em que o faturamento das livrarias virtuais superou o das físicas, o gênero “new adult” –romances recheados de cenas picantes– se consolidou como um sucesso de vendas impulsionado por grupos de leitores no TikTok, fenômeno que deve persistir neste 2024.
Alguns títulos celebrados no exterior foram confirmados como lançamentos no Brasil, como é o caso de “Monsters”, ensaio da crítica Claire Dederer sobre o consumo de arte feita por pessoas ruins, publicado pela editora Record, que também lançará um romance inédito de Gabriel García Marquez.
“Bartleby and Me”, as memórias do jornalista Gay Talese, sairá pela Companhia das Letras, que também publicará o “Knife”, livro inédito de Salman Rushdie. Jon Fosse, o Nobel de Literatura mais recente, também ganhará novas publicações no Brasil.
Por fim, após eleger Airton Krenak como imortal, a Academia Brasileira de Letras deverá fazer uma nova votação em breve, para escolher quem ocupará a cadeira do historiador Alberto da Costa e Silva –Lilia Schwarcz, discípula do historiador morto em novembro, é uma das candidatas ao posto.
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress