Ele atravessou o oceano remando e agora inspira crianças na Guiana Francesa

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Tem uma parte da França que sofre influência diretamente do Brasil: a Guiana Francesa. O departamento ultramarino está localizado na América do Sul e por isso acaba mais próximo de uma realidade verde e amarela no cotidiano.

“Sofremos total influência do Brasil. Estamos a 8 mil km da Europa, temos economia de primeiro mundo, mas não temos a vivência do europeu. Estamos na América do Sul e nossa realidade é diferente. O Brasil é a grande potência aqui do lado. Esporte aqui não se faz sem brasileiro, construção civil também, a economia não se faz sem brasileiro”, explica Patrice Maciel, francês que nasceu na Guiana, é filho de brasileiros e teve a proeza de atravessar duas vezes o Oceano Atlântico em um barco a remo.

Ele vem inspirando gerações de cidadãos da Guiana Francesa há décadas e lembra de uma curiosidade geográfica: a maior fronteira da França é com o Brasil, justamente na região que ele vive. Os números apontam que a fronteira da Guiana Francesa com o Brasil é de 730 km, enquanto da França com Espanha (623 km) ou Bélgica (620 km) são menores.

Patrice é de Kourou, a segunda cidade mais populosa da Guiana Francesa e famosa por ter uma base espacial. Mas para quem acha estranha essa relação com a metrópole, ele deixa bem claro: “Vivemos sob lei francesa, falamos francês, nossa moeda é o euro. A França dá toda estrutura, educação, Justiça, esporte e cultura, vem verba para cá e tentamos manter a ideologia de crescer no esporte”, diz.

Nas últimas semanas, ele ficou preocupado com o futuro de seu país, com a avança da extrema direita nas eleições. Mas após os resultados de domingo, se sentiu mais aliviado, ciente de que a luta de filhos de migrantes não foi em vão.

Ele nasceu na Guiana Francesa, mas seus pais são brasileiros. A mãe é de Anajás, no Pará, e o pai é de Bailique, no estuário do Amazonas, no Amapá. Saíram jovens do Brasil para tentar a sorte e criaram família lá.

“Eles sempre me incentivaram na prática esportiva. Papai era jogador de futebol e, em uma de suas viagens, ele trouxe um jogo de camisa e assim começou minha carreira com os garotos do bairro. Montamos um time e jogávamos contra os outros bairros”, conta Patrice, que também praticou esportes radicais, incluindo o surfe. “Já minha mãe sempre gostou de promover a cultura dela.”

E foi através do esporte que Patrice conseguiu inspirar pessoas da Guiana Francesa. “Eu comecei no futebol, mas logo cedo entendi que não seria profissional, o caminho era complicado. Eu decidi seguir a carreira para ser educador esportivo. Durante minha vida toda, competindo, viajei pela Europa, Caribe, EUA e Brasil, entendi que o esporte era para mim uma maneira de se me comunicar com o mundo.”

Foi aí que surgiu seu primeiro grande desafio: uma corrida em barco a remo de atravessar o oceano. Para além da aventura, ele dedicou a empreitada a uma causa importante, a da inclusão das pessoas com deficiência. “Achei a direção para encarar essa aventura. Vi que o Amyr Klink tinha feito isso, nos anos 80. Sou filho de ribeirinho, uma ocasião única de promover seu povo e sua história. Tem de carregar tudo que você tem no coração”, diz.

O trajeto era de Dakar até a Guiana Francesa, sozinho. Carregou a bandeira do Brasil e também da França, para homenagear o povo que nunca o discriminou. “Infelizmente não ganhei, teve um vento contrário que me levou de volta para a África, cheguei em penúltimo, depois de 82 dias”, conta, ciente de que a vitória já tinha sido conquistada pelo simples gesto de tentar.

Com a marca da inclusão, ele trouxe um pé de baobá da África. “Plantei em Kourou para simbolizar a inclusão das pessoas. Plantamos um dia antes da abolição da escravidão aqui, que é comemorada em 9 de junho”, diz. Ele também aproveitou para explicar os valores olímpicos, de excelência, respeito, amizade com os povos do mundo, e foi até convidado para dar palestra.

Depois, foi novamente para uma aventura de remo, há 3 anos. Era uma equipe mista, que saiu de Algarve e foi até Guiana Francesa em 51 dias e 18 horas. “Quebramos o recorde com equipe mista, encaramos ondas de 7 metros, mas mostramos que juntos somos capazes de fazer qualquer coisa”, explica.

Atravessar duas vezes o oceano não é algo comum e até por isso Patrice é motivo de inspiração na Guiana Francesa. “Meu dever é orientar esses garotos a sonharem. Temos atletas que saíram daqui e estão tendo sucesso. Uma garota que começou com a gente, do revezamento 4 x 100m, é do nosso clube, todo mundo vê na televisão, encontra ela aqui quando aparece. As crianças entendem que isso também pode acontecer com elas”, conclui.

PAULO FAVERO / Folhapress

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