Eleição na Guatemala surpreende com azarão e ex-primeira dama no 2º turno

BUENOS AIRES, ARGENTINA, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A ex-primeira-dama Sandra Torres, 67, e Bernardo Arévalo, 64, filho do ex-presidente Juan José Arévalo, disputarão o segundo turno na Guatemala em 20 de agosto, indicam resultados preliminares do Tribunal Superior Eleitoral do país. Com 98% das urnas apuradas, ela recebeu 15,78% dos votos válidos na eleições presidenciais realizadas neste domingo (25), enquanto ele ficou com 11,8%.

A nação mais populosa da América Central, com 18 milhões de habitantes, não escapa da ameaça autoritária que vivem seus vizinhos e teve quatro candidatos excluídos da corrida, num contexto de perseguição judicial e exílio de opositores e jornalistas.

A participação de Arévalo no segundo turno foi uma surpresa, já que o candidato estava em oitavo lugar na última pesquisa antes do pleito. Sua campanha foi impulsionada pelas redes sociais e pelo voto jovem.

Até agora, o terceiro lugar está com Manuel Conde, com 7,8%. O deputado conseguiu a marca a despeito da impopularidade de seu correligionário e atual presidente, Alejandro Giammattei —em seu último ano de mandato, o conservador tem a pior avaliação dos últimos quatro líderes guatemaltecos.

Em entrevista coletiva nesta segunda, Torres se mostrou otimista. “Estamos felizes”, disse ela. “Vamos vencer, seja contra quem for.” Já Arévalo afirmou que os resultados refletem o apoio que ele recebeu durante a campanha. “Não viemos para ganhar as pesquisas. Viemos para ganhar as eleições. Nosso profundo e total agradecimento às pessoas que nos deram seu voto de confiança.”

Considerando os votos totais, porém, nenhum candidato superou os votos nulos e brancos, como já era esperado. Esses grupos somaram 24,4%, contra os 13% registrados quatro anos atrás, e a participação foi de 59,9% dos eleitores, contra 62% no pleito passado, numa campanha permeada pelo aumento da descrença nas instituições.

O dia foi majoritariamente pacífico, segundo observadores nacionais e internacionais, mas alguns acontecimentos tensos marcaram a votação, que terminou com 31 detidos e 208 denúncias ao Ministério Público. Os mais graves ocorreram na cidade de San José del Golfo, a 30 km da capital, que teve que suspender as eleições após tumultos e ameaças a agentes eleitorais.

Giammattei prometeu, após votar, que iniciará o processo de transição o mais rapidamente possível. “Esperamos que [o próximo presidente] siga o caminho traçado em direção à recuperação econômica do país. E que continue a estimular os investimentos estrangeiros”, declarou ele à imprensa local.

Os principais candidatos excluídos da corrida foram o empresário Carlos Pineda, que ganhou popularidade no TikTok e estava em primeiro lugar nas pesquisas, e Thelma Cabrera, a única postulante indígena num país em que metade da população se identifica como tal. A Justiça entendeu que suas chapas cometeram ilegalidades, em decisões muito questionadas.

Trata-se da segunda vez que Torres, do partido Unidade Nacional da Esperança, vai ao segundo turno. Em 2019, ela conseguiu angariar o maior número de eleitores na primeira votação, mas então perdeu para o atual presidente, Giammattei. Logo depois, ela foi presa por suspeitas de financiamento ilegal do seu partido, em processo arquivado no ano passado, quando o promotor do caso já estava exilado.

Torres ganhou protagonismo como primeira-dama durante o mandato do marido, Álvaro Colom, de 2008 a 2011. Então começou sua odisseia à cadeira presidencial —ela precisou se divorciar de Colom para isso—, durante a qual se afastou da social-democracia em direção ao conservadorismo.

A política é vista como alguém que pode dar continuidade ao atual governo, já que seu partido, de maioria no Congresso, tende a se alinhar a ele. “Ela pode manter essa aliança ou romper e retomar pontos que defendia quando era primeira-dama, como os programas sociais que a fizeram se vincular a Lula e a Dilma no Brasil”, diz o sociólogo Marcel Arévalo, da Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais).

Já Arévalo, do partido de esquerda Movimiento Semilla, tem uma plataforma anticorrupção e busca se distanciar da política partidária. O candidato é filho de Juan José Arévalo, o primeiro presidente democraticamente eleito no país após a queda do ditador Jorge Ubico, em 1945.

O sociólogo comenta que a presença de Arévalo no segundo turno “é uma surpresa, mas reflete o cansaço do eleitorado com os atores políticos que têm destruído as instituições democráticas, fragilmente construídas após a transição para a democracia em 1985 [com a eleição de Vinicio Cerezo, depois do golpe militar de 1954 e da guerra civil que se seguiu] e a assinatura do acordo de paz, em 1996”.

Para o especialista, no entanto, o caminho até o segundo turno deve ser complicado. “É difícil prever quem será o vencedor e quais estratégias serão usadas pelos derrotados até agora. O percurso pode incluir violência e várias manobras para resgatar e afirmar sua impunidade.”

O país tem o quinto pior índice de percepção da corrupção da América Latina, segundo a ONG Transparência Internacional, e vive num sistema democrático que alguns analistas definem como híbrido.

A perda de independência dos Poderes e a perseguição judicial a opositores são apontadas como as faces mais visíveis da guinada autoritária. Estimam-se que há mais de 30 juristas e 20 jornalistas em autoexílio, além de ativistas. O caso mais emblemático é o de José Rubén Zamora, jornalista condenado a seis anos de prisão na semana passada.

Além desses temas, o novo presidente terá que lidar com uma sociedade ainda muito rural (48% não vivem em cidades), que tem acesso insuficiente a estradas, água e energia e uma alta mortalidade e desnutrição infantil. Os homicídios também voltaram a subir nos últimos dois anos, após uma década de queda.

Essas condições, somadas à falta de emprego e à alta informalidade pioradas pela pandemia, fazem com que os jovens —mais da metade da população tem menos de 30 anos— queiram sair do país em busca de melhores condições de vida, principalmente para os Estados Unidos. Os migrantes equivalem a 17% da população, e as remessas que eles enviam a parentes, a 20% do PIB (Produto Interno Bruto).

JÚLIA BARBON E DANIELA ARCANJO / Folhapress

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