TAIPÉ, TAIWAN (FOLHAPRESS) – A cúpula dos líderes de China e Estados Unidos no último mês, na Califórnia, estabilizou as relações bilaterais, ao menos para o próximo ano, de eleição americana. Esta é a visão de diferentes analistas consultados pela Folha.
Para o jornalista chinês Wang Xiangwei, professor da Universidade Batista em Hong Kong e Shenzhen, os dois países vão cooperar em temas como drogas e mudança do clima e seguir divididos em outros, como Taiwan.
“Olhando para a frente, não vejo grandes acontecimentos inesperados, por isso a cúpula foi tão importante”, diz Wang, ex-editor-chefe e hoje colunista do South China Morning Post. “China e EUA chegaram a um entendimento para reduzir as tensões.”
Quanto à retórica de campanha, Wang diz que “os chineses compreendem perfeitamente que a política eleitoral americana é voltada para dentro, com comentários exagerados sobre tudo, que podem não se traduzir em política pública nenhuma”.
Ele não tem dúvida de que “na reta final, quando falarem de política internacional, a China será a questão número um, todos atacarão a China, mas os chineses já se acostumaram, percebendo há muito tempo que o que se fala não importa tanto”.
Ni Feng, diretor do Instituto de Estudos Americanos da Academia Chinesa de Ciências Sociais, também vê um novo acerto a partir da cúpula, que ele analisou num seminário em Xangai divulgado por WeChat. “Do ponto de vista do governo Joe Biden, eles não querem problemas no ano que vem”, disse.
“Sua principal tarefa é vencer as eleições, o que manterá Biden suficientemente ocupado. São longas, de janeiro a novembro. O governo vai encarar uma batalha difícil. Eles precisam focar questões internas.”
Daí a grande atenção americana para uma questão como a crise dos opioides, acrescenta Ni, prevendo que ela terá destaque na campanha. “A classe média está em declínio, muitos estão usando fentanil, e agora as mortes ligadas [aos opioides] estão no topo da lista nos EUA, superando acidentes de trânsito.”
Outro avanço priorizado por Washington é a retomada do diálogo militar, que acaba de acontecer. “Eles já estão se debatendo com dois conflitos”, diz ele, referindo-se às guerras da Ucrânia e Israel-Hamas. “Se surgir outro na Ásia, ficarão sobrecarregados. Portanto, estabilizar as relações com a China é uma necessidade prática para Biden.”
Segundo Ni, também para Pequim “estabilizar a relação é pré-requisito para criar condições” para a política de “rejuvenescimento” do país. “Ambos os lados têm necessidades substanciais para estabilizar. Embora substanciais, elas são táticas, temporárias e com alvo certo. Ninguém acredita que haverá mudança significativa nos EUA.”
Wang diz acreditar que os dois países chegaram inclusive “a uma espécie de novo entendimento sobre Taiwan”. Washington marcou distância do candidato governista, Lai Ching-te, à frente nas pesquisas, e Pequim estaria preparada para uma vitória do desafeto.
“Não creio que as eleições em Taiwan provoquem ruptura entre China e EUA”, diz. “Tenho seguido de perto, parece que Lai vai vencer, e creio que o lado chinês se preparou para esse cenário. Não antevejo surpresas, sobretudo porque Lai deixou claro que para ele Taiwan já é independente.”
O analista Paul Triolo, vice-presidente para China da consultoria estratégica ASG, de Washington, discorda em parte quanto à eleição em Taiwan, cujo resultado no próximo dia 13 poderia trazer “algum risco para a relação” das potências ao longo do primeiro semestre.
Se o candidato governista vencer, “entre a eleição e a posse em maio será importante acompanhar que tipo de declarações ele fará sobre a questão da independência”, diz ele, acrescentando que isso pode criar novas tensões se Pequim considerá-las como sugestão de que a ilha dará um passo no sentido de declarar formalmente sua autonomia.
Ele concorda, porém, que “Biden será cuidadoso, colocando pressão sobre o vencedor para evitar antagonizar Pequim”. Também ele vê a China no foco da campanha americana, “mas este não é necessariamente um momento perigoso para a relação, que Biden está empenhado em administrar de forma responsável”.
O ex-presidente americano Donald Trump durante comício em Durham, New Hampshire, em 16 de dezembro de 2023 Questionado sobre Donald Trump, Wang avalia que “a relação chegou a um estágio em que realmente não importa quem será o novo presidente, porque qualquer um deles adotará uma abordagem de confronto com a China, pois eles a veem como um concorrente”.
Segundo Ni Feng, “está claro agora para todos [os chineses] que os EUA nos prenderam nessa posição de único desafiante capacitado da ordem internacional liderada por eles, e não haverá mudanças fundamentais nisso durante um tempo considerável”.
O esforço de contenção de Pequim por Washington vai prosseguir, seja quem for o eleito, diz Wang. “Mas não acho que a relação vá piorar muito, porque os dois lados vão cooperar em certas questões e brigar em outras.”
Especificamente sobre Trump, avalia, “ele se preocupa mais com comércio e investimento do que qualquer outra coisa”. E caso seja eleito não deve se voltar só contra Pequim, “criando problemas para Europa, Japão, Coreia do Sul, o que, do ponto de vista geopolítico, não é ruim para a China”.
O ex-presidente ainda tem lançado sinais contra Taiwan. Em entrevista à Fox News, em julho, falou que a ilha “tomou todo o nosso negócio de chips” e que os EUA deveriam ter respondido “tarifando” a produção local. Questionado se defenderia militarmente o território em caso de invasão por Pequim, evitou responder, argumentando que isso o “colocaria numa posição ruim de negociação”.
Como Trump vai abordar a China é “uma questão complexa”, diz Triolo. “Embora não pareça querer entrar em conflito por Taiwan, ele continuaria com políticas duras em relação a Pequim, incluindo impostos. Também seria menos favorável aos esforços para construir coligações regionais destinadas a dissuadir a China, especificamente em relação a Taiwan.”
Para o analista americano, um fator importante para saber o rumo de Trump em relação à China é identificar “quais os elementos da política externa republicana seriam incluídos num segundo governo”.
Dois de seus principais assessores de segurança nacional quando presidente, possíveis nomes para voltar com ele, Robert O’Brien e Elbridge Colby, defendem abertamente que em caso de invasão os EUA destruam as unidades do gigante taiwanês de chips TSMC. “Não se pode permitir que a TSMC caia intacta nas mãos da República Popular da China”, afirma Colby.
Ele foi o principal autor da Estratégia de Segurança Nacional de Trump. Ni Feng diz que a divulgação do documento, “precisamente em 18 de dezembro de 2017”, marcou o fim da aproximação que havia sido estabelecida pelos líderes Mao Tse-tung e Richard Nixon, 45 anos antes.
NELSON DE SÁ / Folhapress