SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O sargento Israel Nantes Santos, 40, quarto vereador mais votado da capital paulista com 112.484 votos, ficou preso por um ano e quatro meses sob a suspeita de participar de uma ação criminosa descrita pela Promotoria como “típica de grupo de extermínio”. Acabou, contudo, absolvido pela Justiça.
O episódio pelo qual ficou preso ocorreu em julho de 2015 quando ele, na companhia de outros três PMs, todos em horário de folga, foi preso sob a suspeita de tentar matar um homem em Sumaré (SP) e, durante a fuga, atirar contra quatro PMs que faziam patrulhamento da região.
O sargento e os outros envolvidos foram mantidos na corporação, sob o argumento de terem sido absolvidos na Justiça. A permanência é considerada por oficiais ouvidos pela reportagem na condição de anonimato como absurda, já que muitos PMs foram expulsos por casos muito menos graves.
Procurado, Nantes criticou o interesse da reportagem em falar sobre o assunto. “Não é coincidência que, após o resultado das eleições, antigas acusações, já rejeitadas e julgadas com trânsito em julgado, sejam distorcidas e trazidas de volta. A quem interessa resgatar essas mentiras já superadas pela Justiça?”, diz em nota (leia mais abaixo).
Conforme documentos obtidos pela reportagem, por volta das 22h30 de 8 de julho de 2015, policiais militares patrulhavam o bairro Jardim Maria Luiza, periferia de Sumaré, quando ouviram tiros. Ao se aproximarem do local dos disparos, foram recebidos a bala por quatro homens armados, dois deles com armas longas, dando início a intensa troca de tiros.
Os PMs estavam em duas viaturas, com dois homens em cada, em razão da periculosidade do bairro. Os quatro soldados atacados foram unânimes ao descrever, em depoimentos à PM e à Polícia Civil, a intenção dos suspeitos: “Atiraram para matar”, disse o soldado Pedro Paulo Rodrigues.
Também foram vítimas os soldados Allan Carlos Coelho, Michel Cleverson Pires e Flávio Luiz de Campos Oliveira. Juntos, os quatro fizeram 51 disparos. Nenhum deles ficou ferido, mas dois dos suspeitos acabaram baleados.
Ainda conforme documentos, os quatro suspeitos conseguiram fugir em uma Celta prata. A PM da região passou a procurar o veículo, que acabou localizado minutos depois na vizinha Paulínia. Foi aí que se descobriu que os suspeitos eram policiais à paisana, conforme os documentos.
“Quatro indivíduos desceram do Celta e um deles dizia repetidas vezes que era o ‘sargento Nantes da Rota e que entre eles havia dois policiais baleados”, contaria depois o PM Moisés Rocha Santana, sobre a abordagem, conforme trecho de depoimento.
Os dois feridos foram para o hospital, enquanto o sargento da Rota e outro policial foram presos em flagrante e encaminhados para o presídio especial Romão Gomes.
Nantes e o colega permaneceram em silêncio durante o flagrante. Não explicaram, entre outras coisas, porque o veículo em que estavam tinha placa adulterada e procedência incerta.
Uma versão sobre a situação deles foi apresentada informalmente por um tenente de Campinas, comandante de 2 dos 4 PMs suspeitos de ataque. Os outros dois, entre eles o PM Nantes, pertenciam à Rota (tropa de elite da PM paulista).
Segundo os PMs atacados, o tenente disse que os quatro suspeitos alegaram que estavam em Sumaré “procurando mulheres” e que, acidentalmente, ficaram no meio do fogo cruzado entre criminosos e policiais. Com medo, fugiram. A arma da PM emprestada a Nantes desapareceu nesse dia.
“Israel Nantes Santos declarou que, na data dos fatos, ocupava o veículo Celta de cor prata, cujas placas desconhece, […] no momento em que percebeu que estavam sendo alvejados por disparos de arma de fogo, jogou a arma em direção ao assoalho do veículo, não sabendo ao certo se o armamento caiu dentro ou fora do veículo”, aponta o documento de sindicância interna da Rota.
Os quatro PMs atacados em Sumaré afirmaram que não havia outro veículo no local no momento do confronto e que os suspeitos que atiraram contra eles foram os mesmos que fugiram no Celta.
O promotor Gaspar Pereira da Silva Júnior afirma na denúncia apresentada à Justiça que o quarteto foi a Sumaré para matar um civil, que só não foi assassinado porque os PMs em serviço apareceram. “O crime tentativa de homicídio foi praticado, também, em atividade típica de grupo de extermínio.”
A reportagem não teve acesso ao conteúdo do processo com os argumentos que levaram os jurados a absolver os quatro. Procurados, o promotor do caso e o advogado de Nantes à época não quiseram se manifestar.
Algumas decisões tomadas por policiais militares durante a prisão dos suspeitos podem, contudo, ter prejudicado as investigações da Polícia Civil.
Uma delas foi uma suposta falha operacional. Os PMs de Paulínia não realizaram revistas pessoais em nenhum dos suspeitos. Também não vistoriaram o veículo, sob a alegação de que só se preocuparam em socorrer os feridos.
Assim, as supostas armas usadas no ataque não foram apreendidas, fato que seria usado pela defesa ao pedir a liberdade dos presos. No local do confronto, foram encontradas capsulas de fuzil 223, de cartuchos 9 mm (usados em metralhadoras) e de .40.
Os PMs que não realizaram revistas admitiram que conheciam parte dos suspeitos.
Procurada, a assessoria de Nantes informou, por meio de nota, que as informações que a reportagem teve acesso, baseadas em documentos oficiais, “são falsas”.
“Fui absolvido de todas as acusações infundadas referentes à ocorrência de 2015. A alegação de uma suposta troca de tiros com outros policiais é tão absurda que a Promotoria sequer viu razão para oferecer denúncia-crime e solicitou o arquivamento do inquérito”, diz trecho da nota.
A reportagem encaminhou cópia da denúncia, que contraria a versão de pedido de arquivamento, mas a assessoria informou que manteria a mesma resposta. Em entrevista para um canal do Youtube, Nantes afirma ter ficado preso por três períodos, o último deles (o mais longo), até o julgamento.
Ainda segundo a nota de Nantes, o policial alega sempre ter trabalhado dentro da lei. “Minha trajetória de mais de 20 anos, seja na Polícia Militar ou na Rota, sempre foi guiada pela ética, moral, estrito cumprimento do que é legal, combate ao crime e defesa do cidadão de bem”, diz.
Procurada, a PM diz que o policial não foi expulso porque acabou absolvido na Justiça, assim como os três colegas de farda suspeitos de participarem da ação.
“A Polícia Militar informa que os policiais citados responderam a um processo criminal na esfera comum e foram absolvidos, com decisão final em fevereiro de 2018. Diante da absolvição, o processo administrativo instaurado pela instituição foi arquivado”, diz nota enviada.
Ainda conforme a PM, na sindicância sobre o sumiço da arma da corporação “indicou falta disciplinar do agente mencionado, o qual teve o valor do material bélico descontado da sua folha de pagamento”. A punição foi um dia de permanência disciplinar no quartel.
ROGÉRIO PAGNAN / Folhapress