Eletrificação chinesa expõe as falhas de montadoras europeias, diz especialista em transição energética

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cornelius Pieper vê o Brasil como um exemplo para o Sul Global quando o assunto é descarbonização dos transportes. Sócio sênior do BCG (Boston Consulting Group) e líder global de clima e sustentabilidade para boas práticas industriais na empresa, o especialista aposta em soluções que envolvem biocombustíveis e sistemas híbridos na região.

Contudo, em entrevista por email, ele afirma também que a eletrificação segue como o melhor caminho para a proteção do clima, apesar dos desafios que envolvem prazos e custos. Nesse ponto, segundo Pieper, o baixo investimento de marcas europeias no segmento se torna mais evidente com o avanço chinês.

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PERGUNTA – Qual é a sua opinião sobre a eletrificação do transporte na Europa?

CORNELIUS PIEPER – Veículos elétricos a bateria são o futuro do transporte, especialmente para carros de passageiros e, até certo ponto, também para veículos comerciais. A União Europeia já implementou legislação para, de fato, eliminar gradualmente a venda de novos veículos de passageiros com motor a combustão a partir de 2035.

O caminho para essa meta é árduo e não temos certeza de que ela será alcançada nesse ponto. Além dos desafios relacionados à infraestrutura e à autonomia, o preço inicial de compra, mais alto, ainda impede muitos consumidores de adotarem a mobilidade elétrica, apesar do custo total de propriedade ser cada vez mais positivo ao longo do ciclo de vida de um automóvel.

Dito isso, a eletrificação é o passo certo para proteger o clima e, com os avanços na tecnologia de baterias, provavelmente se tornará o sistema de propulsão dominante na Europa nas próximas duas ou três décadas.

P – Os prazos estipulados para a eletrificação em meio à transição energética têm sido questionados pela indústria. Essas reclamações fazem sentido?

CP – A transição relativamente rápida que a União Europeia está prevendo definitivamente apresenta desafios, especialmente no lado da infraestrutura.

Além disso, para uma indústria que tem tido muito sucesso com veículos com motor a combustão por muitas décadas, esse é, obviamente, um ajuste altamente exigente. No entanto, a transição para a mobilidade elétrica é impulsionada pela China muito mais do que pela União Europeia.

As montadoras europeias estão lutando principalmente porque o mercado chinês está mudando para a mobilidade elétrica a bateria muito mais rápido do que o previsto, expondo as montadoras europeias que investiram pouco em mobilidade elétrica.

Adiar as metas daria às montadoras europeias mais fôlego em seus mercados domésticos, mas apenas prolongaria a transição —e talvez a tornasse mais dolorosa— em vez de revertê-la. Abraçar ofertas elétricas acessíveis e competitivas é fundamental para que as montadoras europeias estejam preparadas para o futuro.

P – Para países como o Brasil, a melhor solução seria realmente a adoção de combustíveis renováveis, como o etanol?

CP – O Brasil tem uma oportunidade única de combinar novas soluções de tecnologia de propulsão —por exemplo, veículos híbridos e elétricos— com biocombustíveis. Temos visto uma crescente adoção de veículos eletrificados no país nos últimos anos e uma forte propensão para avançar ainda mais.

Recentemente, desenvolvemos um estudo em parceria com a Anfavea [Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores], que mostra que, combinando esforços de aceleração de novas tecnologias de propulsão ao aumento do uso de biocombustíveis, o setor automotivo pode reduzir em 13% as emissões de CO2 em 2040 em comparação a uma transição tecnológica mais gradual.

Nesse cenário, o setor automotivo poderia evitar a emissão de mais de 280 milhões de toneladas de CO2 até 2040. Esse progresso está condicionado ao desenvolvimento de todo o ecossistema automotivo, envolvendo fornecedores, infraestrutura de carregamento, energia e biocombustíveis, o que poderia levar a investimentos significativos. O Brasil também poderia servir como um modelo para outros mercados automotivos no Sul Global.

P – O futuro, de fato, será de carros 100% elétricos?

CP – É claro que nunca podemos prever o futuro com certeza, e devemos manter a possibilidade de a inovação tecnológica nos surpreender.

No entanto, dada a tendência global de combate às mudanças climáticas, os investimentos maciços que vemos em veículos elétricos e o desempenho de custo comparativo de diferentes sistemas de propulsão e combustíveis, é muito difícil conceber um futuro em que os carros elétricos não sejam dominantes.

Exceções e tempos de transição mais longos em países com certos recursos naturais ou infraestrutura, no entanto, serão aplicados.

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RAIO-X | CORNELIUS PIEPER

Doutor em geografia econômica pela Universidade de Bonn (Alemanha), é diretor executivo, sócio sênior e líder global de clima e sustentabilidade para a prática de Industrial Goods do BCG (Boston Consulting Group), onde está desde 2004.

EDUARDO SODRÉ / Folhapress

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