SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Eli Soares está entre a cruz e a espada do gospel. A fé evangélica encharca a carreira do cantor mineiro, e ele tem orgulho disso. “Meu som é rotulado, sim. Faço música cristã”, diz o autor de letras como “Me Ajude a Melhorar”, uma súplica para que Deus não o deixe ceder ao “mundo que insiste em me comprar”.
Mas ele faz questão de furar a bolha do gospel, como fica claro em seu novo lançamento. Para gravar o DVD “Vida”, convidou nomes populares fora das igrejas, como Ed Motta, Alexandre Pires e Mumuzinho. E isso não pegou bem entre alguns pares evangélicos do fiel da Igreja Batista Getsêmani.
Portais como O Fuxico Gospel destacaram reações pouco calorosas ao novo trabalho de Eli. São comentários como o de um seguidor no Instagram que, contrariado com as parcerias seculares, adjetivo para o que é alheio à fé cristã, questionou se o DVD “é para ser cantado na igreja ou no barzinho da esquina” e que “esse não é o evangelho de Jesus”.
Eli credita as críticas a “meia dúzia de religiosos que foram para cima e compraram briga” e prefere se voltar a uma máxima atribuída ao pastor Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Segundo o cantor, a maioria dos que se posicionaram sobre sua obra pode até provocar menos frisson nas redes sociais, mas só tem “palavras de encorajamento” para oferecer.
A indústria gospel tende a se isolar no mercado fonográfico. Colaborações até existem, mas ainda são pontuais, como a do pastor Kleber Lucas com Caetano Veloso em “Deus Cuida de Mim”. Mas Kleber, outrora gigante entre cantores cristãos, não é o melhor exemplo, dado o status de pária que ganhou entre vários fiéis, ranço incentivado por pastores que repudiaram sua aproximação com Lula (PT) nas eleições.
Há, ainda, cada vez mais artistas que nunca tiveram uma obra voltada à religiosidade, mas que andam gravando canções evangélicas, caso de Thiaguinho, Maria Gadú e Luan Santana.
Não é de hoje que Eli abraça esse crossover com o meio não religioso. Ele já cantou Roupa Nova no casamento dos funkeiros Lexa e MC Guimê, hoje um ex-casal, e participou de programas da Globo como Encontro com Patrícia Poeta e Conversa com Bial.
De olho no espectador evangélico, a emissora tem chamado mais figuras deste grupo para seus quadros o que no passado era uma raridade. “Vai na Fé”, uma das novelas da casa, a primeira com uma protagonista filiada a essa corrente cristã, incluiu músicas gospel no enredo, uma de Eli inclusive. “Querendo ou não, é uma estrelinha para o nosso currículo”, ele afirma.
Um canal do YouTube serve de amostra para a resistência de parte do segmento a esse intercâmbio cultural. Com 351 mil inscritos, o Clube da Palavra destacou uma frase da pastora Sarah Sheeva primogênita de Baby do Brasil com Pepeu Gomes para maldizer uma participação de Eli na Globo.
Sheeva, que já criticou o Coldplay ao dizer que no céu não toca “Capetaplay” ou “Coldinferno”, há anos expõe “o porquê devemos ficar longe das músicas do mundo”, alerta o canal. “Sarah explica que a frequência da canção que não é um louvor a Deus não faz bem à casa nem ao ambiente onde sua família está”.
Eli conta que se misturar com um circuito visto como ímpio por irmãos de fé custou a ele alguma credibilidade nos templos. “Tive muitos ataques, agendas até canceladas, mas sigo firme.” Mas há um nicho forte, no segmento, para o que ele se propõe a fazer.
“Respeito os amigos que fazem música para as horas de culto. A reunião religiosa, contudo, tem no máximo duas horas. O dia tem 24”, afirma. “Amo fazer música para o resto do tempo. Quando você está dirigindo, no trabalho, a sós com Deus, para os momentos de festa, de academia, de churrasco com amigos.”
Suas referências também não se limitam à cultura cristã. Artistas mineiros contribuíram muito com sua formação musical, como o 14 Bis e toda a turma do Clube da Esquina, de Milton Nascimento a Toninho Horta. “Essa galera me influencia muito. Ouço e me transformo.”
Não se transforma tanto, porém, a ponto de partir para o mercado secular, como fizeram colegas como Priscilla Alcantara, Jessé Aguiar e Jotta A. “Minha música é 100% cristocêntrica. Amo fazer música para o meu povo cristão.”
Mas não vale pregar só para convertidos. Para Eli, “o gospel tem saído da sua caixinha fechada”, e o que mais importa é cumprir o propósito de “quebrar muros e construir pontes”.
Se está no palco com um Alexandre Pires, por exemplo, é inevitável que sua mensagem chegue a um número maior de pessoas. Já dizia a Bíblia, afinal: “ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a toda criatura”. No compasso que for.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress