BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse nesta quarta-feira (22) que a autoridade monetária é responsável pela supervisão e pela regulação do sistema financeiro nacional e que é “perto do impossível” eliminar essas funções.
Em evento da Frente Parlamentar pelo Livre Mercado, em Brasília, Campos Neto comentou o plano do ultraliberal Javier Milei, presidente eleito da Argentina, de acabar com o BC argentino e de dolarizar a economia do país.
“Em relação ao plano de acabar com o Banco Central [da Argentina], a gente precisa entender melhor o que significa isso”, disse.
“É óbvio que se tem dolarização, tem uma função do Banco Central que deixa de existir. Mas o Banco Central tem mandato de estabilidade monetária e estabilidade financeira. Isso significa que o Banco Central faz funções de conduta, de supervisão e de regulação do sistema financeiro, que alguém tem que fazer. Não existe sistema financeiro sem ter supervisão, regulação e conduta”, acrescentou.
Para Campos Neto, o mais importante é ter uma instituição que funcione e tenha credibilidade. Segundo ele, existe a percepção na Argentina de que o BC do país vizinho foi em parte responsável pela degradação do peso argentino por ter sido usado como instrumento para financiar o governo.
Ele destaca também que o controle de fluxo de recursos internacionais é feito pelo BC, seja qual for a moeda. Disse ainda que, mesmo com uma moeda única na Europa, diversos países possuem bancos centrais.
“Eu não consigo ver como eliminar todas essas funções [regulação, supervisão e conduta]. Acho bem perto do impossível”, afirmou. “O mais importante não é acabar com o Banco Central, e sim ter um Banco Central que funcione. Não conheço o plano na Argentina.”
O ultraliberal Javier Milei foi eleito presidente da Argentina no último domingo (19), superando o candidato governista, o atual ministro da Economia, Sergio Massa.
Um dia depois de ganhar as eleições, Milei confirmou que, além de privatizar “tudo o que possa estar nas mãos do setor privado”, fechará o Banco Central e cortará os atuais 18 ministérios para apenas oito.
Quanto à dolarização, o presidente do BC destacou a necessidade de uma âncora de credibilidade e ressaltou que economia argentina já é basicamente dolarizada. “As pessoas já pensam em dólar, precisamos entender como vai ser isso.”
O chefe da autoridade monetária disse ainda que o episódio no país vizinho serve de aprendizado para o Brasil sobre a importância de ter um BC autônomo e técnico.
“É uma lição para o Brasil que é importante o Banco Central autônomo, é importante o Banco Central técnico, é importante o Banco Central robusto, com bons funcionários. É importante cumprir e ter credibilidade também no cronograma de metas fiscais para indicar uma trajetória de dívida que seja sustentável.”
Campos Neto voltou a destacar o longo processo de perda de credibilidade na Argentina, a desorganização do cenário macroeconômico e a erosão da base fiscal “muito grande” no país vizinho.
Um dia antes, ele disse esperar por uma retomada da economia argentina com o novo governo. “A perda de credibilidade gera um espiral que, no final, causa uma inflação muito maior. Agora só podemos esperar que, com um novo governo, a Argentina seja capaz de ter uma virada”, afirmou Campos Neto em entrevista à Bloomberg TV.
O presidente do BC reiterou no evento desta quarta que gerar ruído em relação a metas tem um custo de credibilidade muito grande e alertou que o Brasil vai precisar fazer melhor o “dever de casa” para 2024.
Segundo ele, caso contrário, o país será afetado pela falta de liquidez de recursos com o alto endividamento das economias avançadas. No cenário global, observou que países como os Estados Unidos, com juros mais altos por mais tempo, irão consumir mais recursos para pagar suas próprias dívidas.
Na semana passada, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) informou que vai manter a meta fiscal estipulada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) de zerar o déficit em 2024, apesar da pressão de uma ala por uma mudança no alvo e do ceticismo do mercado financeiro.
NATHALIA GARCIA / Folhapress